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Aprenda a fazer churrasco de apartamento (sem varanda gourmet)

 

O churrasco é a forma mais antiga de cozinhar. Você precisa de quase nada: um combustível, uma faísca para começar o fogo e o alimento. As primeiras churrascadas da humanidade foram, possivelmente, obras da natureza. Depois de um incêndio florestal causado por raios, nossos antepassados encontraram animais, por assim dizer, assados. Provaram sua carne e perceberam que não apenas estava deliciosa, mas também mais fácil de mastigar, deglutir e digerir.

Para nossa sorte, o churrasco também é o método que produz os melhores resultados na preparação de boa parte das comidas – notadamente, as carnes. Uma feliz conjunção de fatores, que envolve a temperatura das brasas e a fumaça gerada na combustão, faz com que bifes, cordeiros, porcos e peixes ganhem sabor único e uma crosta externa que nenhuma técnica moderna consegue reproduzir.

Assim, nossa espécie viveu feliz por milênios. Fez churrasco nos campos abertos, atrás das casas de fazenda, nos jardins dos palácios e nos fundos das casas mais simples das aldeias, no quintalzinho das casas operárias. Até que um dia as cidades cresceram demais, e as pessoas passaram a morar em apartamentos. Sem jardim, sem quintal, sem braseiro, sem chaminé. Foram condenadas a não fazer mais churrasco em casa.

Claro que os humanos, mestres do engenho, não aceitariam tal sina de cabeça baixa. Era preciso inventar. Era preciso adaptar. E nunca desistir do grande sonho: fazer, no espaço de um apartamento, algo que se parecesse com um churrasco autêntico.

Os desafios eram muitos. A começar pelo tamanho da porção. Não tinha cabimento assar um animal inteiro, como até hoje é costume onde os espaços ao ar livre são amplos, na diminuta área de um apartamento. Destrinchamos, cortamos e fatiamos a carne até chegarmos ao bife – e, no limite, aos tristonhos filés de frango e de tilápia (não que eles sejam necessariamente tristes, mas quase sempre são).

Então há as questões do fogo e da fumaça. Mesmo as mais compactas churrasqueiras portáteis produzem fumaça e fuligem suficientes para tornar inabitável qualquer ambiente fechado sem a ventilação adequada – falo de exaustores para restaurantes ou uma chaminé de respeito, não das fraquinhas coifas residenciais. Além disso, as faíscas que voam da brasa representam sempre um risco de incêndio quando há sofás, cortinas e tapetes por perto.

Ao mudar para apartamento, precisamos abrir mão do carvão. Restava-nos o consolo de um bife grelhado ou chapeado no fogão a gás. Nada mau.

Antes de prosseguir, uma pequena digressão. Muita gente pensa que “churrasco” e “grelhado” significam a mesma coisa. Não, não, não. A palavra “grelha” quer dizer “grade”. Existe a grelha que protege a boca dos bueiros, por exemplo. Então, churrasco na grelha é grelhado; churrasco no espeto não é. Há também a grelha para fogão: panelas baixas com canaletas paralelas, que deixam o alimento pronto listrado como uma zebra.

Para simplificar, chamarei de grelhado também o alimento feito na chapa ou na frigideira. A chapa é uma placa plana de metal, geralmente ferro fundido. Existem modelos para usar no fogão, não apenas a chapa grande das hamburguerias. A frigideira – cujo nome vem de “frigir”, o mesmo que “fritar” – também pode ser usada para chapear carnes e legumes. É só adicionar pouca ou nenhuma gordura. E trabalhar com calor intenso.

O calor é a chave de um bom grelhado doméstico. Você vai ficar muito longe do montante de energia irradiada pelo carvão em brasa, mas terá um resultado bem satisfatório se tirar o máximo de três fatores: chama, material da grelha e tempo.

A intensidade da chama vai depender do modelo de fogão que você tiver em casa. Sempre trabalhe na boca mais potente – a maior – e sempre com a chama mais alta possível. Se quer um bom grelhado, esqueça o preço do gás.

O melhor material para fazer bifes é o ferro fundido – tanto faz se é uma grelha, uma chapa ou uma frigideira. Ele se aquece muito mais do que o alumínio e o aço inox. Fuja dos revestimentos antiaderentes: eles podem queimar e se soltar quando o calor é muito alto. E prefira utensílios pesados, com fundo grosso. Eles demoram mais a esquentar, o que significa que o oposto também é verdadeiro. Quando você atira um bife frio sobre uma chapa fininha, ela perde calor rapidamente. Muitos graus abaixo do ideal, ela vai levar algum tempo para recuperar a temperatura. Enquanto isso, a carne não grelha: cozinha.

Por isso, também faz toda diferença a temperatura da carne na hora em que ela cai sobre o metal. Retire-a da geladeira pelo menos uma hora antes.

Importa muito, além disso, o tempo que você deixa a frigideira sobre o fogo antes de começar o grelhado. Quanto mais quente o ferro, melhor. Dez minutos costumam bastar. Se puder deixar 15 minutos, melhor ainda. Mais uma vez: dane-se o preço do gás.

Daí em diante, o roteiro de um bom bife é bastante simples. Salgue apenas na hora de grelhar e use somente temperos secos. Não é purismo do tipo “só pode sal e pimenta”: você escolhe os sabores que bem entender, mas é importante evitar que a carne esteja molhada. A água vai fazê-la cozinhar em vez de grelhar. O sal, depois de alguns minutos, faz o bife “suar” – deve, portanto, entrar aos 47 do segundo tempo.

Se o corte escolhido for gordo, como contrafilé ou picanha, não há a necessidade de usar óleo. Carnes magras, a exemplo do filé-mignon e da fraldinha, devem ser besuntadas de óleo antes de ir para a grelha. Prefira óleo vegetal (soja, milho, canola): manteiga e azeite queimam mais facilmente.

Depois de colocar a carne para grelhar, segure a ansiedade. Não toque nela por pelo menos dois minutos. É o tempo que leva para tostar a superfície que está em contato com o metal. Depois vire o bife e repita o procedimento.

O tempo total de cozimento vai variar muito conforme o fogão, a frigideira, a espessura do bife e até o tipo de gás (encanado ou botijão). Assim, eu recomendo fortemente a aquisição de um termômetro culinário, utensílio baratinho que vai salvar sua vida em diversas situações. É parecido com um termômetro de medir febre, mas tem uma vareta que você deve espetar no alimento. Retire o bife do forno quando ele atingir o seu ponto favorito, de acordo com esta tabela:

Muito malpassado 46 °C a 50 °C

Malpassado 51 °C a 55 °C

Ao ponto para malpassado 56 °C a 60 °C

Ao ponto 61 °C a 65 °C

Ao ponto para bem-passado 66 °C a 70 °C

Bem-passado 71 °C ou mais

Depois, deixe a carne quietinha num canto por cinco minutos ou um pouco mais. O repouso vai uniformizar o ponto de cozimento e a distribuição do líquido nas fibras musculares.

Sirva o bife, então, da forma que você achar melhor: com molho, sem molho, com manteiga temperada, acebolado, ao alho e óleo…

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Um bom bife na chapa pode ser espetacular, mas não é churrasco. A procura, portanto, prossegue. Existem vários tipos de utensílios que se vendem como alternativas, digamos, indoor para fazer churrasco. Nenhum deles é maravilhoso, porém os resultados variam muito.

Comecemos pelas grelhas elétricas do tipo George Foreman, com duas superfícies antiaderentes, articuladas e aquecidas por resistores. Elas vêm nos mais variados tamanhos e preços.

Nada contra essas grelhas. Eu tinha uma até outro dia e a usava muito para esquentar pão e preparar sanduíches de queijo quente. Só que sua utilidade não vai muito além disso. A temperatura do metal é tíbia se comparada com qualquer panela aquecida por uns minutos no fogão. Sua vantagem é a rapidez no preparo, já que o alimento é aquecido por cima e por baixo simultaneamente. Muito pouco para quem busca um bom churrasco. As carnes ficam acinzentadas, melancólicas, mais cozidas que grelhadas e ressecadas, ainda por cima – junto com a gordura que escorre pela canaleta, vai muito da umidade do bife. Pode ser bom para quem gosta de peito de frango seco com batata-doce. Não é o meu caso.

Sabe para que a grelha George Foreman é ótima? Para fazer hot-dog. A salsicha já vem cozida e não libera muito líquido. Pelo contrário, ao grelhá-la você preserva muito mais sabor do que se fizesse chá de salsicha na água fervente. Vamos a uma receita relâmpago antes de voltar à saga do churrasco. Em primeiro lugar, gaste uns caraminguás numa boa salsicha – você nem quer saber o que vai dentro dos hot-dogs das marcas populares. Ponha as salsichas sobre a grelha (fria mesmo, não importa) e ligue na tomada. Quando elas estiverem tigradas, com a marquinha de queimado da grelha, coloque-as dentro de pães com uma fatia de queijo de cada lado. Prense o sanduíche com as grelhas e deixe-o lá até o queijo derreter.

De volta ao churrasco, existem também as grelhas elétricas com uma vasilha de água embaixo (para recolher a gordura que pinga da carne). Esses aparelhos foram um dia – talvez sejam até hoje – vendidos como churrasqueiras elétricas. Estão dois ou três passos à frente do George Foreman Grill, é fato. A resistência superaquecida sob a grelha assa a carne por baixo, como a brasa de carvão faria. A água para recolher a gordura evita o fumacê geral, mas alguma coisa não funciona bem. A comida não fica com sabor de churrasco, aquele gostinho produzido justamente pela fumaça do carvão.

E tem um problema maior. As churrasqueiras elétricas trabalham com uma quantidade brutal de energia. Nem as instalações domésticas nem o próprio aparelho são adequados para isso. Então, um belo dia, o disjuntor vai cair, deixando a casa no escuro. Ou então derreter o utensílio. Ou muito, muito pior: incendiar a casa. Melhor não usar.

Para quem dispõe de muito espaço e dinheiro, existem vários modelos de churrasqueiras a gás, americanas ou imitação das americanas – o chamado char broiler. Algumas trabalham com pedras vulcânicas sobre a chama, que ficam incandescentes e produzem fumaça quando a gordura pinga sobre elas.

Pode ser a coisa mais próxima de uma churrasqueira feita sob medida para um ambiente fechado, mas ainda assim não reproduz exatamente o gosto da carne feita no carvão. Além de ser um equipamento caro, trata-se de um trambolho que nem todo mundo quer ter em casa. Quantas vezes por mês você vai fazer churrasco para compensar um investimento de mais de mil reais numa coisa que não cabe em armário algum? Ah, sim: você pode reformar sua cozinha para embutir um char broiler bonitão na mobília. Eu prefiro uma solução mais simples e mais barata.

Essa solução, bastante óbvia, é improvisar uma churrasqueira de carvão. Tudo o que você vai precisar é de uma panela de ferro fundido alta e larga e de uma grelha que caiba em cima dela. Você enche a panela de carvão e trabalha com ela sobre o fogão. É seguro, razoavelmente limpo e muito eficiente – melhor que uma churrasqueira de alvenaria, arrisco dizer.

Para começar, a escolha da panela. Ferro é o melhor material porque é o único que aguenta a temperatura do carvão em brasa. Esqueça aquelas panelas esmaltadas bonitas e caras – o carvão vai deixá-las horrorosas. Uns 7 centímetros de altura são o bastante para acomodar o carvão sem que ele encoste na comida. Quanto ao diâmetro, a partir de 25 centímetros já dá para brincar. E você vai querer uma panela com tampa, mesmo que opte por uma frigideira funda – como é o meu caso. Com a tampa, você apaga as brasas instantaneamente, o que reduz bastante o (inevitável) cheiro de churrasco.

Uma das vantagens de ter uma churrasqueira sobre o fogão é a ergonomia. A grelha estará numa altura em que não é preciso curvar as costas para mexer no carvão ou na carne – um dos problemas das churrasqueiras portáteis. A quantidade de carvão necessária é muito pequena, bem menor do que em qualquer equipamento tradicional: um saco de três quilos dura o suficiente para meia dúzia de churrascos.

Você pode acender a panela-churrasqueira pelo jeito “normal”: colocando fogo no carvão. Ou pode acender a chama do fogão e deixá-la ligada até que o carvão fique incandescente. Ou fazer as duas coisas ao mesmo tempo, o que acelera bastante o churrasco.

O método que usa apenas a chama do fogão é o meu favorito, por um motivo: ele não produz chamas. Assim, você pode assar a carne imediatamente sobre as brasas, sem o risco do surgimento de labaredas que vão queimar tudo e estragar a refeição – ou coisa pior.

Fumaça é um problema, não vou mentir. Mas a panela-churrasqueira não produz mais fumaça do que uma frigideira de ferro muito quente ao grelhar um bife de picanha, por exemplo. Se você quiser minimizar a defumação em casa, é só escolher uma carne magra, que não tenha uma camada externa de gordura. Picanha e contrafilé certamente vão fazer o maior fumacê; filé-mignon e fraldinha (remova a gordura) são ótimas alternativas. Vamos então ao que interessa: como fazer.

Churrasco de filé-mignon à coreana

Filé-mignon no churrasco, para alguns, é uma abominação. Vão dizer: existem outras carnes mais saborosas, filé não tem muita graça, filé resseca na brasa. São verdades parciais. O filé-mignon, por ser extremamente macio e livre de gorduras, é a carne predileta de quem não gosta muito de carne. Temperado apenas com sal, perde em sabor para quase qualquer outro corte bovino – em especial aqueles usados para grelhar, como picanha, costela, fraldinha e até o contrafilé. Cozido além do ponto, fica seco e difícil de engolir.

Mas existe muito preconceito em relação ao filé-mignon. Quando a pecuária brasileira deu um salto de qualidade, e outros cortes ganharam espaço no cardápio dos – aham – gourmets, o filé passou a ser visto como uma ostentação de gente ignorante. De pessoas que pagam mais caro para ter algo cuja maior virtude é a segurança. O pior prato de filé-mignon nunca vai ser tão ruim quanto o pior prato de contrafilé.

Essa visão omite o fato de que o filé, assim como as carnes que antes eram consideradas “de segunda”, tem seu modo certo de preparo. Nenhuma carne é tão boa quanto o filé-mignon para incorporar o gosto de molhos e marinadas. Quando acrescentados a cortes gordos, como o filé de costela, os molhos tendem a competir em sabor com o bife. O filé, não: ele funciona como um substrato ideal para outros elementos. Embora suave, seu sabor se encaixa perfeitamente em composições criativas. Mais ou menos como o frango, outro injustiçado.

E há a questão do ponto. Carnes mais gordas toleram melhor o excesso de cozimento. Com o filé-mignon, o “ponto menos” é o limite da suculência. Cozido assim, com o interior ainda vermelho, fica espetacular. Existe quem goste bem-passado. Eu não.

Escolhi uma receita de filé-mignon também por uma razão prática: por ser magro ele não faz fumaça. E, na boa, ninguém precisa de mais uma receita de churrasco de picanha.

A receita que eu dou a seguir contém ainda outro sacrilégio para os puristas do churrasco: a carne é fortemente temperada, justamente porque é filé-mignon.

Quando eu trabalhava no centro de São Paulo, ia a um restaurante chamado PASV, na Avenida São João. Era um botecão de uns tiozinhos galegos, que tinha uma churrasqueira a carvão no fundo. Lembro que eu adorava o filé no espeto, que vinha temperado com vinho, alho e sei lá mais o quê, e tinha um aroma fantástico de fumaça de carvão. Os caras eram gringos, não manjavam nada do dogma brasileiro que diz que churrasco só pode levar sal grosso. Eu adorava, especialmente quando os espanhóis acertavam o ponto da carne. O PASV ainda está lá, mas não sei se o filé continua igual.

Como não quero competir com minhas memórias de juventude, inventei, assim, uma receita meio oriental, que lembra um pouco o tempero do bulgogi, o churrasco coreano. O principal elemento do tempero é o missô, pasta de soja fermentada que melhora qualquer prato. Se você encontrar, coloque também um pouquinho de nam pla, um molho tailandês à base de peixe fermentado. Não tem cheiro de peixe, apenas um leve futum de chulé ou gorgonzola que, inexplicavelmente, funciona muito bem como auxiliar de outros aromas. Mas use com parcimônia, pois tanto ele quanto o shoyu e o missô são bem salgados (essa é a razão de não haver sal entre os ingredientes).

Você pode brincar com o molho e a marinada do filé-mignon. Usar vinho, vinagre, algum tipo de suco, sei lá. Esta receita é apenas um modelo feito para ser livremente adaptado, que permite substituição de quaisquer temperos.

Muitos molhos para filé pedem caldo de carne. Não use caldo em cubo, por favor: aquilo é o resto do resto da indústria da proteína animal. Aqui eu fiz o seguinte: aproveitei os pedaços menos apetitosos do próprio filé para fazer um caldo rapidinho. Compre a peça inteira e remova tendões, membranas e outras partes feiosas. Não as jogue fora nem dê para o cachorro: grelhe-as na churrasqueira até quase queimar, e assim ficar com bastante gosto de fumaça. Então cozinhe esses pedaços em pouca água, na frigideira em que será feito o molho. Ao trabalho!

Churrasco de filé-mignon à coreana

Ingredientes
1 peça de filé-mignon com tendões e membranas
1 dente de alho
1 copo de saquê ou vinho branco
1 colher (sopa) de missô
1 colher (chá) de nam pla (molho tailandês de peixe fermentado – opcional)
2 colheres (sopa) de shoyu
Gengibre a gosto (opcional)
1 colher (sopa) de manteiga

Modo de fazer
1 Remova os tendões e as membranas do filé. Reserve. Corte a carne em bifes grossos. Reserve.

2 Misture o alho, o saquê, o missô, o nam pla, o shoyu e o gengibre. Deixe a carne de molho nessa marinada por pelo menos uma hora.

3 Acenda a churrasqueira e toste as aparas da carne. Faça um caldo com elas e uma xícara de água, na frigideira em que será feito o molho. Quando ganhar cor, descarte os sólidos.

4 Ponha os bifes para grelhar e despeje o líquido da marinada no caldo.

5 Grelhe os bifes no ponto desejado, virando-os uma vez para tostar ambos os lados. Cozinhe o molho até engrossar.

6 Retire os bifes e deixe-os repousar por 5 minutos (assim os sucos da carne se distribuem uniformemente pelas fibras). Finalize o molho, engrossando-o com manteiga. Sirva.

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Este conteúdo foi publicado originalmente no livro Cozinha Bruta – O Guia da Gastronomia Sem Frescura, escrito pelo jornalista Marcos Nogueira.

 

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