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Aprender a ler altera áreas do cérebro não associadas à linguagem

Um fã de McDonald’s passeando em Nova York e o mais isolado dos aborígenes australianos têm algo em comum: ambos falam. Praticamente qualquer ser humano, em qualquer cultura do mundo, têm uma língua – mesmo que ela dependa das mãos, e não das cordas vocais, que é o caso das línguas de sinais.

Mesmo assim, há 793 milhões de analfabetos no mundo. Isso revela algo importante sobre o cérebro do Homo sapiens: ele vem de fábrica com um aparato biológico preparado para abrir a boca e falar – só. A escrita e a leitura são ferramentas criadas na Mesopotâmia há mais ou menos 6 mil anos, e que precisam ser aprendidas, na marra, por todas as crianças.  

Depois que aprendemos a ler, é claro, a cabeça entra no “automático” e nos esquecemos do perrengue que passamos na escola. Doce ilusão: interpretar sinais em qualquer uma das 662 fontes do Word continua sendo muito difícil do ponto de vista da computação. Prova disso são os famosos captchas – letras distorcidas que podem ser lidas por nós, mas não por vírus de computador.

Isso torna a leitura uma habilidade ótima para estudos científicos: ela não é inata, não vem “instalada”, mas é complicada o suficiente para alterar as ligações entre os neurônios e revelar detalhes e problemas do funcionamento do cérebro humano. 

Para entender como ler muda o cérebro, o pesquisador alemão Falk Huettig – psicólogo da linguagem no Instituto Max Planck – foi à Índia.

Lá, ele sua equipe selecionaram dois grupos de adultos analfabetos na faixa etária dos 30 anos. Eles foram separados com base em muitas variáveis socioeconômicas e biológicas – como gênero, salário, inteligência, mão de preferência (destro ou canhoto) e o número de pessoas também analfabetas que cada um tinha na família.

Era essencial que as cobaias fossem mais velhas – crianças têm um intelecto flexível demais e passam o dia descobrindo coisas novas. Seria impossível saber com precisão se as alterações verificadas no cérebro delas são resultado da alfabetização ou de outras lições recém-aprendidas sobre o mundo.

Antes do início da experiência, os voluntários foram passados em uma máquina de ressonância magnética, e a situação prévia do cérebro de cada um foi registrada como referência para as comparações posteriores. Depois, metade deles passou seis meses recebendo aulas de Devanagari – o sistema de escrita hindi –, e a outra metade não teve aulas.

Um semestre depois, todos passaram por ressonâncias novamente. E os que tinham dado os primeiros passos na alfabetização já exibiam alterações em partes específicas do cérebro. Uma delas era previsível: os neurônios ficaram mais ligadões no córtex cerebral, responsável pela memória, a atenção e (óbvio) a linguagem.

Outras mudanças não foram tão fáceis assim de prever: o número de conexões também aumentou em regiões mais profundas do cérebro, como o lobo occipital, responsável pelo processamento de imagens. Ainda não se sabe se essa é uma alteração que ocorre em qualquer processo de alfabetização  ou se está associada às características específicas do Devanagari – que é uma escrita alfabeto-silábica mais complexa visualmente que o alfabeto latino, com suas letras isoladas.

“Nunca havia sido demonstrado que essas estruturas profundas do cérebro, que do ponto de vista evolutivo são muito antigas, mudam fundamentalmente e se adaptam a essa nova habilidade – e que elas começam a se comunicar com eficiência com partes do córtex”, afirmou Huettig à Popular Science. O artigo científico está disponível aqui.

Prova de que, apesar de difícil, ainda é possível aprender habilidades complexas depois de adulto. E de que línguas diferentes talvez cobrem o cérebro de maneira diferente. “Nós ainda não sabemos se há uma espécie de rede nuclear, básica, que é ativada independente do sistema de escrita que está sendo adquirido”, explicou Huettig. “Mas há outras partes do cérebro que mudam. Por exemplo: se você aprender chinês, ativará mais o córtex direito – provavelmente por que os caracteres são muito mais complexos.”

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