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“Ela é minha mulher…”


Esses dias enquanto bebíamos uma cerveja num daqueles bares em que o nome do estabelecimento é o mesmo do proprietário do bar, ouvi um conhecido, na verdade, alguém que conheci naquela noite, dizendo, com firmeza na voz, que está aos poucos dando mais liberdade para a mulher dele – para sair com as amigas, viajar, ter um personal trainer e assim por diante. Naquele momento, já cansado de ouvir coisas do gênero, pensei “que engraçado!”, que poder supremo esse cara teria para escolher para quem daria ou não a tão poderosa liberdade? Seria um juiz das relações? Seria o Capitão Planeta dos amores? E como se não fosse o básico da convivência entre pessoas que se dizem amar, com cara de ineditismo e me fingindo de bobo, perguntei a ele:

– Mas ela já não deveria ter essa liberdade? Não é algo que todos nós, como seres humanos, temos?

E ele, como se soubesse tudo sobre o amor, respondeu:

– Ah, mas a gente tem que cuidar do que é nosso… até porque ela é minha mulher!

Passado um tempo e ainda na mesma conversa, resolvi levantar uma questão. Naquela noite, junto a mesa, com homens e mulheres sentados à nossa volta, eu estava acompanhado de uma mulher com quem me relacionava há um tempo – alguém especial, diga-se de passagem – e ainda discutindo sobre essa temática, comentei, usando a nossa relação como exemplo, que raramente pagava algo para ela, mas, sim, que sempre dividamos tudo quando saíamos. Eles se entreolharam assustados – sim, os homens e as mulheres daquela mesa –, como se fosse impossível conquistar uma mulher tão bonita e interessante como aquela, sem colocar as mãos na carteira. E ela, sempre tão companheira e ciente de que sabíamos nos relacionar muito bem, disse que ela que não entendia como eles se relacionavam de forma tão retrógrada.

Naquele momento, tristemente, percebi que eles pouco haviam entendido o que existia entre nós. Eles não captaram que o fato de eu não pagar as contas, com a conotação de obrigação, não era pelo dinheiro, muito menos pela economia das parcelas, mas, em razão de eu sentir uma importância imensa em ela ter voz ativa na relação, em sentir-se admirada por lutar pelo seu dinheiro e ideais. E consequentemente como isso também refletia na minha admiração por ela. Ela deve se sentir importante e saber que naquela relação ela tem cinquenta por cento de voz, de opinião, e que todas as decisões serão sempre conjuntas. Isso não me ausenta de pagar um jantar quando sinto necessário ou de cobri-la de presentes quando me der vontade, mas que não há regras ou cobranças; dividir as contas, como a relação e os lençóis, não é uma ciência exata, mas algo que precisa de bom senso, carinho e reciprocidade.

Costumeiramente em uma relação em que somente um dos dois paga tudo, um dia, cedo ou tarde, irão surgir pitadas de atitudes abusivas ou cobranças. Que podem começar pequenas, sutis, mas que aos poucos com o desgaste da relação vão se engrandecendo. Há um poder muito grande incutido no “pagar tudo, todas as vezes”, pois o dinheiro não é somente saldo no banco ou parcelas a pagar, mas tem muito de liberdade ali envolvido, de opinião, de poder de escolha. E muitas vezes, os homens que tudo pagam, são os homens que não querem ajudar a lavar uma louça, passar a sua própria roupa ou transitar pelas intempéries de trocar as fraldas de um filho no fraldário de um shopping. Não seria uma troca? Eu pago tudo, e você cuida dos nossos filhos? – pensam eles, com as verdades absolutas pairando em suas cabeças.

E pensando bem, por que não dividiríamos? Se ela ganha um bom salário, somos um casal e queremos que os dois cresçam igualmente, qual seria a lógica se eu pagasse tudo e ela guardasse todo esse dinheiro em algum lugar de uso único e exclusivo dela? Não seria justo, nem honesto com quem se ama. Quando a gente se relaciona sem o peso do sexismo, das regras que existem, mas ninguém sabe o porquê, a relação fica mais leve e equilibrada. Assimilar que antes de sermos homens ou mulheres, com seus papeis turvos definidos pela sociedade, somos pessoas em busca de felicidade, de paz interior, da realização de sonhos, é mais do que bonito ou descolado, mas empático e fundamental. Se livrar das regras, dos dogmas, ao se relacionar, é um passo imprescindível para aprender a respeitar as tomadas de decisões do outro; sejam as vontades, os sonhos, o eu te amo, mas, principalmente, o adeus. Se todos soubessem que a liberdade não é algo que precisamos conquistar, mas que nasce conosco, as ligações amorosas seriam tão mais fluidas e respeitosas. E se relacionar com alguém que não entende isso, muitas vezes, é se prender em algo por muito pouco.

Após toda essa conversa, eles saíram sem perceber que sem esses preceitos a nossa entrega era muito mais genuína. Ela era a minha mulher, mas de minha nada tinha. E como já disse algumas vezes, chamava ela de minha mulher, pois assim nos sentíamos confortáveis, mas de possessivo só o pronome mesmo. Ela nunca foi minha, sempre foi livre, tão livre que optou por ficar ao meu lado todo esse tempo. Ela é do mundo, e eu, por uma sorte, fiz parte desse mundo tão peculiar em que ela vive. Talvez porque meu beijo seja bom e eu goste de viajar de vidros abertos, vai saber… E se um dia ela, ou outra que surgirá, quiser ir embora, dizer adeus e construir uma casa na praia longe de mim, não há nada que eu possa fazer. Talvez, quem sabe, dar um sorriso de canto de boca e dizer que irei sentir saudades… mas caso isso não seja o suficiente, eu me amanso no cantinho do meu quarto, escrevo sobre ela e quem sabe até faço um livro, vai saber…

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