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Exames psicológicos em presos não têm base científica

 (Foto: Raul Aguiar)

 

Fiz trocentos exames criminológicos e fui aprovado só uma vez.” Luiz Alberto Mendes, preso por mais de 30 anos por homicídio e outros crimes, explica como as entrevistas funcionavam. “Cada um dos técnicos (de psicologia, psiquiatria e serviço social) falava conosco separadamente, por cerca de 15 minutos, e emitia um parecer. Nunca tive acesso aos laudos”, afirma Mendes, que atualmente é escritor.

Ele acredita que os castigos causados por discussões com guardas e diretores do presídio foram um dos motivos para que fosse reprovado nos exames criminológicos, utilizados pelo Estado para conceder a progressão de cumprimento de pena, em que os presos voltam a conviver em sociedade de maneira gradativa.

O problema é que, além dos fatores subjetivos da avaliação, a superlotação do sistema carcerário não permite que os exames criminológicos sejam realizados com maior atenção e cuidado. Professor de Direito Penal da PUC e defensor público, Gustavo Junqueira questiona a falta de embasamento científico do exame, criado para “prever” se o condenado voltará a praticar um crime quando estiver fora da cadeia. Mesmo com mudanças na lei, a avaliação continua sendo ordenada por juízes. “Hoje, o exame criminológico é abusivamente exigido e demora demais. Já vi casos em que a análise da progressão foi atrasada em um ano”, afirma o professor.

DE VOLTA PARA O FUTURO

Desde dezembro de 2003, a Lei de Execução Penal não exige a aplicação de exame criminológico para sentenciados progredirem de regime. Em tese, o bom comportamento e o cumprimento de um sexto da pena deveriam ser suficientes para que o condenado passasse a outros tipos de regime previstos na lei, como o semiaberto.

Acontece que, desde 2010, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o pedido de exame criminológico poderia ser solicitado pelos juízes das Varas de Execuções Penais para a concessão de progressão de pena — uma prática que ocorre com frequência.

O defensor público Patrick Cacicedo considera antiético que um perito ateste a possibilidade de um preso reincidir em práticas criminosas. “É um exercício de futurologia. Há profissionais com condutas corretas, mas muitos fazem juízos antiéticos e sem cientificidade, em entrevistas de durações curtíssimas, de dois a cinco minutos”, afirma.

Para os especialistas, essas avaliações, além de injustas, apenas deixam mais abarrotadas as já superlotadas cadeias brasileiras: de acordo com levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 622 mil pessoas ocupavam as celas do país em 2014, o que representa a quarta maior população carcerária do mundo — em um período de 14 anos, o aumento do número de presos foi de 167,32%. “É evidente que nós não temos uma quantidade suficiente de profissionais para proporcionar a prestação do exame criminológico”, ressalta Gustavo Junqueira.

AVALIAÇÃO ÉTICA?

Segundo o defensor público Patrick Cacicedo, a exigência dos exames criminológicos é um mecanismo de violação de direitos. Ele diz que a condução das avaliações é feita com base em juízos morais, como nas ocasiões em que se pergunta se o sentenciado se arrepende do crime pelo qual foi preso. “Como se a pessoa fosse obrigada a se arrepender... E mais: há pessoas que foram condenadas e que não praticaram o crime.”

Alvino Augusto de Sá, que foi psicólogo da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP) de 1972 a 2005, afirma que, apesar de não considerar os exames um problema ético, é “impossível responder” sobre a suposição de que um preso poderia voltar a praticar condutas criminosas, o que gera uma falha técnica do ponto de vista da lei.

Para Augusto de Sá, professor da Faculdade de Direito da USP, outro problema relacionado aos laudos psicológicos acontece quando se afirma que o avaliado é uma pessoa “perigosa”. “Se o condenado não foi considerado inimputável nem semi-imputável no julgamento, não há por que se falar em periculosidade no exame criminológico dele”, destaca o professor, explicando que os criminosos inimputáveis e semi-imputáveis são aqueles que foram examinados e considerados incapazes de discernir o certo do errado e, portanto, deveriam ser direcionados a regimes diferenciados.

O mesmo questionamento foi feito por todos os especialistas consultados: por que, afinal, os exames criminológicos não são realizados logo quando os presos ingressam no regime carcerário? “Se o exame fosse realizado no início, seriam oferecidos elementos para que a equipe técnica decidisse como deveria ser a execução penal para aquela pessoa”, diz Augusto de Sá. “Mas o que seria feito em benefício do preso simplesmente não acontece.”

Sem vagas
Para resolver a superlotação,  Brasil deveria aumentar em 50% o número de vagas do sistema prisional

No aguardo
Distribuição de vagas por tipo de regime prisional

 (Foto: Raul Aguiar)

 

*Os dados divulgados não somavam 100%

Crime e castigo
Crescimento da população carcerária brasileira saltou nos últimos anos

 (Foto: Raul Aguiar)

 

Fonte: Depen

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