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"O Brasil seria menos desigual se fosse mais simples abrir um banco"

Banco Central do Brasil, em Brasília: para especialista em inovação, regulação financeira deveria ser menos burocrática (Foto: Agência Brasil)

 

Maior processadora de proteína animal do mundo, a JBS diversificou suas operações para além do mercado de carnes: fundado pelos irmãos Wesley e Joesley Batista, o grupo J&F controla empresas de diferentes setores da economia, como o Grupo Alpargatas (que administra a marca Havaianas), o Canal Rural e o Banco Original.

Entender por que uma das maiores empresas do mundo decidiu abrir um banco também é útil para analisar o atual momento vivido pelo sistema capitalista: a produção de bens é atrelada à dinâmica do mercado financeiro, com grupos econômicos formando companhias gigantescas que também contam com instituições financeiras para garantir as operações de investimentos e crédito. 

Em artigo escrito no periódico Zero Hora, o administrador Igor Oliveira analisou o desenvolvimento das operações do Banco Original e sua relação com o fortalecimento da JBS. A relação da instituição financeira com o núcleo do poder era íntima: Henrique Meirelles, atual ministro da Fazenda, foi um dos principais conselheiros do Banco Original. 

Fundador da Semente Negócios, que realiza consultorias para empreendedores que atuam em negócios relacionados à inovação, Oliveira afirma que o modelo financeiro brasileiro poderia se tornar mais eficiente. "Quase todo mundo que juntar um capital suficiente vai virar banqueiro. Uma das coisas que precisamos mudar é a regulação do setor financeiro. O Brasil seria muito menos desigual se fosse mais simples e barato abrir um banco", afirma.

Confira a entrevista completa a seguir:

Como é possível explicar o processo de "financeirização" de grandes grupos econômicos, como a JBS, que  também decidiram abrir bancos de grande porte?
É importante separar essa financeirização em dois tipos: as empresas-âncora (empresas muito importantes em suas cadeias) que financiam seus fornecedores ou clientes para alavancar negócios e aumentar o fluxo de dinheiro, gerando um impacto positivo em termos de resultado financeiro e em termos de ganhos de escala.

E há esquemas de lavagem de dinheiro, mais lícitos ou menos lícitos, que se aproveitam do caráter criador de dinheiro dos bancos para fazer girar grandes somas. Isso é imoral e, se ficar comprovada a origem suja do dinheiro, também é ilegal. O problema é que essa forma de lavagem é extremamente eficaz , por conta do efeito multiplicador dos montantes emprestados, inclusive no que diz respeito a criar argumentos jurídicos para esconder os esquemas. 

De toda forma, é preciso entender que ser banqueiro no Brasil é um dos melhores negócios que existem hoje no mundo. Então, quase todo mundo que juntar um capital suficiente vai virar banqueiro. Uma das coisas que precisamos mudar é a regulação do setor financeiro. O Brasil seria muito menos desigual se fosse mais simples e barato abrir um banco.

Estamos observando a crescente formação de conglomerados econômicos, que absorvem outras grandes empresas. Na prática, isso limita a ideia de um "livre mercado" justo?
Sim, essa é uma das críticas mais importantes ao capitalismo: a formação de oligopólios que passam a impedir a criação de concorrentes, usando meios lícitos e ilícitos. Os custos de transação inviabilizam o surgimento de desafiantes em mercados muito concentrados. 

Como toda crítica ao capitalismo, ela é importante, mas também limitada. Isso porque o capitalismo não é o único sistema vigente na economia. Mas, enfim, essa já é uma conversa mais longa. Não dá para discutir esse ponto sem provocar a ira dos marxistas e também dos direitistas ferrenhos.

Como é possível fazer com que esses conglomerados, que participam de diferentes áreas econômicas essenciais, tenham transparência em seus negócios?
Há várias formas: regulação de mercados, garantia da concorrência, direitos de trabalho e consumo, padrões de transparência e governança corporativa. O que  acredito que realmente funciona é o surgimento de novas organizações produtivas, com estruturas de propriedade mais distribuída.

Por exemplo, nos Estados Unidos e na Europa há empresas com muitos pequenos acionistas que, juntos, detêm mais poder do que os grandes acionistas. Isso faz parte do ideal da corporation norte-americana: tanta gente é dona dessas corporations que fica difícil elas agirem contra a sociedade, visto que o"'interesse difuso" fica bem representado na estrutura de poder e propriedade. Em alguma medida, funciona, apesar de nenhum modelo ser perfeito. No caso das corporations, por mais evoluídos que sejam os modelos de governança corporativa, há sempre conflitos inerentes difíceis de serem resolvidos, vide toda a discussão sobre remuneração de executivos que chegam a ganhar centenas de vezes mais do que outros funcionários.

É importantíssimo começarmos a valorizar casos de empresários conscientes, que não fazem qualquer coisa para abater a concorrência e monopolizar o mercado no qual atuam. Gente que sabe o tipo de empresa que quer construir e corre atrás disso ao invés de crescer a qualquer custo.

A JBS teve apoio do Estado brasileiro para crescer. Como fazer para que o crescimento desses grupos econômicos beneficiem de fato o desenvolvimento de um país, coibindo as negociações políticas ilegais? 
Na maior parte das tentativas, política industrial dá errado. A regra é essa. O governo de qualquer país vai errar mais do que acertar, o que não quer dizer que não deva fazer política industrial. O fato é que há uma discussão longa sobre o que é boa política industrial. No caso da política das campeãs nacionais (via BNDES, principalmente), o governo brasileiro errou feio, porque concentrou demais o crédito e o investimento nas mãos de poucos, não adotou critérios claros e transparentes e, pior de tudo, apostou em empresas que tinham pouca inovação real nas mãos e que não estão na vanguarda de grandes revoluções tecnológicas que estão acontecendo hoje no mundo, como digitalização, biotecnologia e assim por diante.

O capitalismo de laços, ou capitalismo de compadrio, existirá sempre em alguma medida.
Prova disso é a concentração do orçamento norte-americano de Defesa, que talvez seja o orçamento público que mais estimula a inovação no mundo, mas está nas mãos de poucas empresas. Mas é muito melhor um país investir em produtos de alto valor agregado, fruto de uma economia do conhecimento: para isso, precisa investir em educação também. Ou seja, essa não é uma equação simples.

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