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Lagartos raros da Mata Atlântica são reencontrados no Espírito Santo

O lagarto papa-vento Anolis pseudotigrinus é caracterizado pela sua coloração e focinho alongado (Foto: Mauro Teixeira Jr./Divulgação)

 

Duas espécies de lagartos papa-vento que não eram vistas há várias décadas foram redescobertas por pesquisadores na Mata Atlântica. As duas espécies, Anolis nasofrontalis e Anolis pseudotigrinus, foram descritas pelo pesquisador Afrânio do Amaral em 1932 com base em exemplares coletados em 1906 na região do Rio Doce, no Espírito Santo.

Desde então, as espécies foram avistadas pouquíssimas vezes e jamais haviam sido fotografadas. A própria existência das espécies já começava a ser duvidada pela comunidade científica, até que ambas foram encontradas na região serrana do Espírito Santo.

A descoberta, que foi publicada no periódico científico Molecular Phylogenetics and Evolution, foi liderada por Ivan Prates, aluno de doutorado da City University of New York (EUA), e inclui descrições detalhadas dos animais, além das primeiras fotos conhecidas das duas espécies em vida.

Por diversos anos, pesquisadores brasileiros e estrangeiros realizaram buscas na região do Rio Doce e vizinhanças na tentativa encontrar, na natureza, os lendários lagartos descritos pelo Dr. Amaral. Em mais de um século, contando desde a descoberta das espécies por Ernesto Garbe em 1906, somente sete exemplares de Anolis nasofrontalis e seis de Anolis pseudotigrinus eram conhecidos, sendo que as últimas observações dos mesmos tinham sido feitas em 1940 e 1974, respectivamente.

A espécie Anolis nasofrontalis não era encontrada na natureza há mais de 70 anos (Foto: Paulo Melo-Sampaio/Divulgação)

 

Muitos desses exemplares antigos estão mal preservados ou são juvenis (imaturos), o que tornava a sua identificação pouco precisa. “Existia uma suspeita entre alguns biólogos de que essas duas espécies não fossem espécies válidas, ou seja, que fossem simplesmente exemplares de outras espécies mais comuns”, conta Paulo Melo-Sampaio, aluno de doutorado do Museu Nacional do Rio de Janeiro e co-autor do estudo.

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Essa suspeita, em parte, chegou ao fim em 2014, quando uma equipe da USP encontrou dois exemplares de A. pseudotigrinus numa área de preservação ambiental perto da cidade Santa Teresa, no Espírito Santo, a cerca de 80 quilômetros de Vitória. “O encontro nos deu uma motivação extra para realizar mais uma expedição exclusivamente objetivando encontrar mais exemplares da espécie, além de tentar reencontrar o A. nasofrontalis, que não era visto há muito mais tempo”, diz Melo-Sampaio.

O esforço deu resultado e, no início de 2016, mais de cem anos após o primeiro registro dos lagartos, a equipe de Melo-Sampaio encontrou as duas espécies ocorrendo na mesma localidade, na Reserva Biológica Augusto Ruschi, em Santa Teresa (ES).

O lagarto papa-vento Anolis pseudotigrinus (Foto: Mauro Teixeira Jr./Divulgação)

 

Conexões passadas
O reencontro desses raros lagartos papa-vento permitiu aos pesquisadores estudar a origem das duas espécies por meio de análises genéticas. Para surpresa dos especialistas, as espécies estão mais proximamente relacionadas a um lagarto encontrado no oeste da Amazônia do que aos demais papa-vento da Mata Atlântica. Os cientistas estimam que a separação entre a espécie amazônica e o ancestral das duas espécies da floresta atlântica se deu, mais ou menos, a 11,5 milhões de anos atrás.

Baseados nisso, os pesquisadores sugerem que é muito provável que as duas florestas — hoje separadas por áreas de cerrado e caatinga — estivessem conectadas durante parte do Mioceno, período geológico entre 23 e cinco milhões de anos atrás.

Ivan Prates, líder do estudo, explica que resultados semelhantes já foram apontados para aves e sapos, mas que as estimativas anteriores para a conexão entre Amazônia e a Mata Atlântica sugeriam uma ligação bem mais recente.

“As estimativas anteriores, mesmo em lagartos papa-vento, eram de que as conexões e o intercâmbio de fauna teriam ocorrido no pleistoceno, ou seja, há menos de dois milhões de anos. O padrão encontrado para A. nasofrontalis e A. pseudotigrinus foi totalmente inesperado”, diz.

Lagarto Anolis nasofrontalis (Foto: Leandro Drummond/Divulgação)

 

A busca continua
Apesar do encontro dessas duas espécies na natureza, outras tantas continuam sumidas na região da Mata Atlântica. A perereca Phrynomedusa fimbriata, por exemplo, foi descrita em 1898 e nunca mais encontrada, mesmo com diversos esforços de busca. Outro exemplo é o sapo Holoaden bradei, que originalmente habitava a região das montanhas do Itatiaia, mas que não é visto por lá há mais de 40 anos.

Nem tudo é motivo para desespero, no entanto. Muitas espécies têm sido redescobertas no mundo inteiro graças ao esforço direcionado de biólogos focados na busca dessas “sumidas” ou “provavelmente extintas”. Um caso recente com repercussão mundial foi o da jiboia-de-Cropan (Corallus cropanii), considerada a serpente mais rara do mundo, e que foi reencontrada na natureza depois de quase 60 anos, no Vale da Ribeira (SP).

* Pedro Peloso é biólogo e estuda a diversidade de anfíbios e répteis na América do Sul. Atualmente é pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi.

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