Colisões entre prótons no LHC geram abundância de partículas estranhas
Tudo aquilo que podemos tocar e sentir é feito de átomos. Mas o buraco do coelho que é a estrutura da matéria nos leva a níveis mais profundos. Bem mais profundos. No núcleo dos átomos, temos um amontoado de prótons e nêutrons que, por sua vez, nada mais são do que um amontoado de quarks e glúons.
Talvez estes, sim, estejam no fundo do buraco: fazem parte de um grupo de partículas que os físicos chamam de fundamentais, ou elementares. Atualmente a ciência as considera os menores componentes das coisas. Ou seja, até agora, ninguém conseguiu achar nada menor do que isso.
Em condições normais, quando estão incrustadas em nosso corpo ou dentro de nossa xícara de café, por exemplo, essas partículas se comportam de um jeito bastante previsível. Mas experimente acelerá-las até velocidades próximas à da luz e faça com que colidam: você vai ver que coisas surpreendentes acontecem. É exatamente isso que fazem os grandes colisores de partículas como o LHC, na fronteira da França com a Suíça, e o RHIC, nos Estados Unidos.
Quando os envolvidos nessas colisões são estruturas complexas como os núcleos de elementos pesados a exemplo do chumbo e do ouro, cada um com cerca de 200 prótons e nêutrons (que os físicos chamam de hádrons), o resultado é a liberação de vastas quantias de energia. Tão grandes que, por uma fração de uma fração de um segundo, são recriadas as condições extremas de temperatura e pressão do Universo instantes após o Big Bang.
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"Conseguimos quebrar o átomo em pedaços, arrancar os elétrons, separar os prótons e os nêutrons, fazemos isso no dia a dia", diz o professor Alexandre Suaide, do Instituto de Física da USP, que estuda justamente as colisões de altas energias entre núcleos pesados.
Mas com os hádrons, o negócio é diferente. "Até hoje não se consegue arrancar um quark do próton, é como se tivesse uma sacola de bolas de gude da qual é impossível tirar qualquer bolinha", explica o físico.
Só que as colisões de núcleos pesados são tão intensas que tiram as bolinhas de gude da sacola. Em termos um pouco mais técnicos, elas fazem com que a matéria nuclear sofra uma transição de estado físico e forme um plasma no qual quarks e glúons estão desconfinados — essa substância, recriada pela primeira vez no acelerador RHIC em 2004, permeava o Universo quando ele tinha poucos microssegundos de vida.
Desde os anos 1980, os físicos atribuem a presença em demasia de um certo tipo de quark, o estranho, nos hádrons formados após as colisões como uma espécie de assinatura de que o plasma de quarks e glúons (QGP, na sigla em inglês) tenha sido produzido.
O problema é que o estado não se mantém por mais do que efêmeros 10 elevado a menos 23 segundos, então estudá-lo é quase como um CSI da física de partículas. "É um estudo bem investigativo no sentido de que não temos como acessá-lo diretamente, mas as propriedades dele estão embutidas nas partículas que sobram no final", diz Suaide.
Mas vamos por partes: existem seis tipos de quark, sendo que os prótons e os nêutrons são compostos pelos dois com menor massa, chamados de up e down. O estranho (strange) é bem mais pesado e recebeu este nome quando foi descoberto na década de 1960 por demorar muito mais tempo até decair e se transformar em um de seus irmãos mais leves (sim, é isso que os quarks fazem).
Até agora, os físicos de partículas acreditavam que apenas núcleos pesados seriam capazes de produzir o plasma — e portanto, a abundância de quarks estranhos.
Mas resultados recentes obtidos pelo experimento ALICE, que atua no LHC, apontam para uma descoberta inusitada. "A novidade nesse resultado é que ele observou esse aumento relativo em partículas que contêm quark estranho em colisões próton-próton, sistemas muito menores que os núcleos de chumbo e ouro", explica Rafael Derradi de Souza, pós-doutor pelo Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Unicamp, e um dos 1500 membros da colaboração ALICE, que reúne pesquisadores do mundo todo.
Junto do físico David Chinellato, colega de instituto e coordenador da pesquisa, Souza participou ativamente da análise dos dados e da elaboração do artigo, publicado no mês passado na prestigiosa revista Nature Physics. Ele afirma que os resultados são desafiadores do ponto de vista teórico porque nenhum dos modelos atuais prevê que os prótons sejam capazes de produzir o plasma. "Talvez nem seja o QGP, pode ser algum outro mecanismo de produção de quarks estranhos que ainda não conhecemos", explica o pesquisador.
É por isso que os físicos ainda estão cautelosos e preferem não afirmar categoricamente que quando os pequenos prótons colidem, também criam uma gotinha do Universo primordial. "Ainda é muito cedo para falar, precisamos melhorar a qualidade e a quantidade das medidas experimentais", afirma Suaide, que também é membro da colaboração ALICE.
Mas Souza explica que se, de fato, as colisões entre prótons também produzirem QGP, os físicos de partículas terão em mãos uma ferramenta bastante promissora para investigar como a matéria se comporta em suas escalas mais microscópicas. "Essas colisões são mais simples que as de núcleo, nas quais há muito mais coisas acontecendo, então seria um experimento bem mais limpo de se trabalhar", diz.
Seria uma maneira de se viajar até o fundo da toca do coelho da estrutura da matéria e, lá embaixo, encontrar um lugar bem arrumadinho, onde ainda existem muitos segredos escondidos a respeito da realidade das coisas.
Desvendá-los pode ser bem mais fácil sem um monte de prótons e nêutrons voando caoticamente para todos os lados após uma violenta colisão entre átomos de chumbo ou de ouro. E quando se trata de desvendar segredos, bem, é isso que move pessoas como Souza. "Como cientista, pesquisador, a gente se atém ao que observa, mas como um amante da ciência, sei lá, é sempre legal achar coisa nova, como nesse resultado."
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