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Fístulas obstétricas: o problema que assombra mais de 1 milhão de mulheres

 (Foto: Pixabay)

 

Um milhão de mulheres vive com fístulas obstétricas no mundo, segundo a Worldwide Fistula Fund (Fundo Mundial de Fístulas). A enfermidade consiste em um rasgo entre a vagina e a bexiga ou a vagina e o canal retal, através do qual escapam urina e fezes que, nessa situação, não podem ser controladas pela mulher.

A africana Irene é uma dessas garotas. Em entrevista por e-mail à GALILEU, ela contou que, aos 13 anos, estava grávida e sozinha: seus pais haviam morrido e, ao descobrir sobre a gravidez, o namorado a deixou. Após entrar em trabalho de parto, a jovem passou cinco dias inconsciente para acordar com cateteres em seu corpo e a notícia de que seu bebê não havia sobrevivido.

Irene percebeu então que havia um cheiro forte saindo de seu corpo e que sua cama estava suja de urina. Segundo o médico, ela havia desenvolvido uma fístula obstétrica.

O ferimento do tipo costuma se acontecer a partir de partos mal feitos ou realizados em situações precárias, o que explica sua grande ocorrência em regiões pobres. Por ano, entre 50 mil e 100 mil novos casos de fístulas obstétricas são registrados em países em desenvolvimento, segundo a WFF.

Durante o nascimento de um bebê, o processo pode ser interrompido pelo tamanho da cabeça da criança, muito grande para a pélvis da mãe, ou porque essa região do corpo da mulher é menor que o normal. Com a falta de recursos, é quase impossível realizar uma cesariana de emergência, e o bebê tem que passar por um pequeno canal.

Em regiões com problemas de saúde pública, alguns partos têm que ser adiados por horas ou até dias, dependendo da situação do hospital. Essa é outra questão que coloca em risco a saúde das mães e dos bebês. Não são raros os casos em que as crianças nascem mortas, o que acarreta em ainda mais sofrimento para as mães.

Problema estrutural
A condição ainda não é tão discutida quanto deveria, e isso é um problema. Para a Soja Orlowski, diretora executiva da WFF, a questão reside no fato de que países desenvolvidos não têm mais esse problema. “Isso se tornou um infortúnio dos países em desenvolvimento e foi categorizado como um problema de saúde feminina em vez de geral”, afirma a especialista em entrevista à GALILEU.

Segundo Sarah Omega, da Fistula Fundation (Fundação Fístula), as fístulas obstétricas não são “bacanas” de serem discutidas. “É possível que exista o fator 'nojo' que detenha as pessoas de conversar sobre o assunto”, relata.

Nascida no Quênia, Omega também foi vítima de fístula obstétrica. Aos 19 anos, ela foi estuprada e engravidou. Três dias após dar à luz a um menino de quase cinco quilos, a garota ouviu as enfermeiras murmurando algo sobre o problema, que até então ela desconhecia.

Omega passou 12 anos com o problema que, segundo ela, foram os piores de toda sua vida: “Vivi uma vida solitária, cheia de tristezas, eu pensava seriamente em tirar minha própria vida”, relata. Tratada, hoje a mulher dedica a vida a cuidar de outras mulheres que enfrentam o mesmo mal que ela passou. “Eu realmente queria ser parte dessa iniciativa [Fistula Fondation] para oferecer minha experiência no campo e possibilitar que a fundação pudesse restaurar a dignidade de tantas mulheres que sofrem em silêncio, como ocorreu comigo.”

No livro Metade do Céu (Editora Novo Século, R$35, 328 páginas) , os jornalistas Nicholas D. Kristof e Sheryl WuDunn abordam como os descuidos afetam as vidas dessas mulheres. Em um dos relatos, a vítima foi isolada pela própria família do convívio social por cheirar mal, já que não conseguia conter as fezes ou a urina. Os autores contam ainda a história de uma jovem que buscou ajuda para ir ao hospital realizar tratamento, mas todos se recusaram a levá-la — inclusive motoristas de ônibus — porque exalava um cheiro muito forte e estava suja.

Os autores argumentam que o agravante da situação é o machismo, ao que Sarah Omega rebate: “Não sei sobre sexismo, mas sei que as fístulas impactam as mulheres pobres, que são as que têm menos voz no mundo. O problema nunca será totalmente resolvido até todas terem acesso ao tratamento de qualidade que merecem”.

Tratamento
Segundo os Médicos Sem Fronteiras, o reparo do “rasgo” entre a vagina e a bexiga ou o canal retal pode durar apenas 45 minutos. O procedimento consiste em costurar o tecido previamente rompido e fazer outras reparações simples, se necessário.

Após o procedimento, o ideal é que a mulher faça movimentos pélvicos para fortalecer a musculatura e ande mantenha um cateter ligado à bexiga por algumas semanas.

Para Soja Orlowski, da Worldwide Fistula Fund, a cura de uma fístula obstétrica também envolve a reintegração da pessoa à sociedade e ajuda psicológica. “Mulheres que sofreram com fístulas são evitadas pelas suas comunidades e deixadas de lado pelos seus maridos. Elas encontram muita rejeição e humilhação”, conta a especialista. “O aconselhamento [tem que ser] incorporado ao tratamento para ajudar as mulheres que passaram por esse tipo de experiência traumática para que elas possam retornar às suas casas com confiança e propósito.”

O tratamento ainda é acessível para poucas mulheres: apenas 20 mil o recebem anualmente, segundo dados do Global Fistula Map. Esse número vem crescendo: em 2006, seis cirurgias de reparo foram realizadas pelo Médicos Sem Fronteiras; em 2009, entre 400 e 500; e, em 2010, cerca de mil.

Irene, do começo da reportagem, foi tratada graças à Worldwide Fistula Fund e se recuperou bem. “O momento, a hora, o dia em que removeram o cateter… Esse foi o meu dia mais feliz”, conta. Ela aprendeu a cozinhar e hoje ajuda no preparo de refeições para mulheres vítimas de fístulas obstétricas, além de defender a saúde feminina. “Agora Irene tem propósito”, afirma Soja Orlowski.

Para que o problema seja permanentemente erradicado, são necessários auxílio pré-natal de qualidade para grávidas e partos realizados em boas condições. “Precisamos identificar o problema na paciente assim que ele estiver surgindo. Minimizando o sofrimento, maximizamos as chances da mulher se ver feliz, saudável e livre da fístula”, reforça Sarah Omega.

No Brasil
Não há dados concretos sobre quantas mulheres sofrem com o problema no país. Para brasileiros que queiram ajudar as vítimas de fístulas obstétricas, Omega recomenda que compartilhem notícias sobre o assunto nas redes sociais e façam doações para instituições voltadas para o tratamento dessas mulheres. Combater a ignorância sobre o assunto, segundo ela, é essencial.

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*Com supervisão de Isabela Moreira.

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