Porque procurar ETs é bom para a ciência e a sociedade
Uma espécie comum na fauna das redes sociais é o comentarista que não se conforma com os gastos em ciência que não se revertem diretamente em descobertas classificadas como “úteis”. Por “úteis”, entenda a cura do câncer, a solução para a miséria na África ou algo do tipo. Esse leitor acha que não tem cabimento apontar antenas para o céu em busca de ETs enquanto os hospitais públicos do Rio não têm antibióticos.
Logo de cara, o argumento não é tão ruim assim. Afinal, utilidade prática é um ótimo critério para investir dinheiro público. Pena que ele quase nunca foi adotado. Prova disso é que, de 1940 em diante, os EUA, sozinhos, gastaram pelo menos 5,48 trilhões de dólares em armamento nuclear. Isso foi só 7% do custo total da birra com a União Soviética. Também foi necessário projetar os mísseis e bombas que levariam essas bombas por aí, é claro. Cada unidade do bombardeiro “invisível” B-2 Spirit (que só foi terminado em 1997, anos após a queda do Muro de Berlim) saiu por 2,1 bilhões de dólares.
No contexto geopolítico atual, embora Trump pareça discordar, manter 20 aviões desses na garagem é no mínimo um jeito muito eficiente de jogar dinheiro fora – essa opinião, é claro, varia conforme a sua posição no espectro político e o status das relações diplomáticas dos EUA com a Rússia e a China. O que está acima de qualquer polêmica é o fato de que o mundo que conhecemos hoje só foi possível por causa da violência. GPS, aviação civil, cirurgias plásticas e tecnologia da informação – inclua aí internet e criptografia – são todos heranças das guerras (frias ou quentes) do século 20. Efeitos colaterais tecnológicos, que a população civil aprendeu a usar para o bem.
Agora vamos visitar o mundo ideal. Você já pensou como seria legal se nós pudéssemos dar grandes saltos tecnológicos sem matar (ou ameaçar matar) uma pá de gente no processo? Notícia boa: isso já é possível há um tempão. O nome é ciência. Que, diga-se de passagem, sai bem mais barato que explodir os outros.
A guerra é boa para a tecnologia e a inovação por uma série de motivos. Um dos principais é sua capacidade de unir especialistas de várias áreas – que, em tempos de paz, não se encontrariam nos corredores da universidade. Cartógrafos, criptógrafos, engenheiros, médicos e cientistas políticos se veem obrigados a colaborar sob pressão para alcançar soluções. Foi nesse ambiente que gênios como Marie Curie e Alan Turing colocaram suas criações à prova.
Hoje, na feliz ausência de um conflito armado de grande escala, um dos jeitos mais fáceis de unir pessoas de diferentes especialidades é buscar alienígenas – ou tentar imaginar como eles seriam, uma área de pesquisa conhecida como astrobiologia.
Para alcançar esse objetivo, precisamos de astrônomos para descobrir a composição da atmosfera de um planeta e avaliar se ele está na zona habitável de sua estrela. De físicos e químicos para, com a termodinâmica, concluir se as condições necessárias para a vida estão ali. De biólogos para entender como formas de vida simples poderiam se basear em elementos que não são o carbono que nos compõe e o oxigênio que respiramos. E até de engenheiros para projetar, construir e lançar telescópios que, do espaço, nos darão mais informações sobre esses mundos distantes. Com a união, cresce a visão de cada indivíduo. Todos esses especialistas precisam saber pelo menos um pouquinho sobre as áreas de pesquisa uns dos outros para o conjunto funcionar.
Era assim que a ciência funcionava mais ou menos até o Renascimento. Na Antiguidade, eram comuns figuras como Erastótenes – que acabou entrando para a história como pai da Geografia, mas também era astrônomo, gramático, teórico da música e uma porção de outras coisas. Esse currículo do tamanho de uma nota fiscal de compra do mês não é tão diferente do de Aristóteles, Leonardo da Vinci ou Giordano Bruno. Parte da genialidade desses nomes vem justamente do fato de que eles pensavam fora da caixa em vez de adotar uma só área de pesquisa, como é regra nas universidades de hoje. A integração de disciplinas diferentes é combustível para a inovação.
Fomentar um ambiente produtivo assim não é nem de longe tão caro quanto parece. Uma das pedras fundamentais da astrobiologia foi o telescópio Kepler, o caçador de exoplanetas da Nasa – que já encontrou bem mais de 3 mil mundos fora do Sistema Solar, vários com potencial para abrigar vida como a conhecemos (ou vida como não a conhecemos, que é justamente o foco da astrobiologia). Ele custou 550 milhões de dólares – um quarto do valor de um único B-2 Spirit. Questão de prioridades?
Fugindo da astrobiologia para ficar apenas com a ciência, os exemplos se multiplicam. O Sirius, acelerador de partículas brasileiro que está com as obras ameaçadas pela crise econômica, sairá por 1,5 bilhão de reais. É bastante dinheiro, mas nada perto dos 8,3 bilhões de reais gastos em estádios da Copa do Mundo – boa parte dos quais, já se tornou até clichê dizer, jamais serão lotados novamente.
Tudo isso e nem saí do campo prático. Talvez o maior presente que a astrobiologia possa nos dar é uma visão de mundo nova, mais humilde. Que reconheça o real tamanho e lugar da Terra, e o quanto a existência da espécie humana (e sua curiosidade) são, por si só, algo digno de atenção. E como esse é um artigo de opinião, preciso, é óbvio, terminar com uma citação. “O aspecto mais triste da vida, hoje, é que a ciência acumula conhecimento mais rápido que a sociedade acumula sabedoria.” Quem disse foi Isaac Asimov, e não eu.
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