Quer deixar o neonazismo? Pergunte-me como
Fabian Wichmann abre um armário de metal e tira algumas caixas. Nelas estão camisetas com dizeres como “Apoie sua divisão local de sangue e honra” ou “Marche pelo nacionalismo”. Aparecem também uma bolsa com uma suástica bordada de forma delicada e um babador com o rosto do que parece ser um viking. “Ele representa a volta às origens, antes de a Alemanha receber influência do catolicismo ou do judaísmo, quando ainda existiam os germanos”, explica. O grande armário também guarda uma caixa com panos brancos. Parecem só pedaços de lençóis, mas são, na verdade, máscaras semelhantes às do Ku Klux Klan, movimento norte-americano defensor da supremacia branca.
Wichmann não trabalha em uma loja de artigos neonazistas, tampouco está apresentando uma coleção pessoal. Ele é um dos conselheiros da Exit Deutschland, organização que auxilia pessoas que desejam abandonar a extrema-direita. Fundada em 2000 pelo criminalista Bernd Wagner e pelo ex-líder neonazista Ingo Hasselbach, a Exit já ajudou mais de 650 pessoas a sair da cena extremista. O armário que assustaria qualquer imigrante na Alemanha — como é o caso desta repórter brasileira — fica na sede da organização, em Berlim. É para onde vão os pertences de um passado que se deseja esquecer.
Felix Benneckenstein parece não ter problema em falar sobre essas lembranças, mas não gosta de abrir sua história para desconhecidos. Hoje ele trabalha na Exit e em outra organização semelhante que fundou na Baviera, a Aussteigerhilfe Bayern. “Quando conto às pessoas o que faço, elas já imaginam um pouco o porquê. Às vezes, quando estão muito desconfiadas, apenas digo que busquem meu nome no Google.” De fato, tudo fica claro já nos primeiros resultados.
O hoje conselheiro na Exit, com 31 anos, começou a participar da direita extremista aos 14, época em que seus conflitos com a polícia e com jovens turcos o instigaram a odiar o Estado e os imigrantes. “Quando entrei na cena neonazista, tinha como objetivo melhorar um pouco a sociedade. Mas com o tempo percebi que o movimento está focado apenas em lutar contra o Estado, incitar uma guerra civil e lutar contra pessoas específicas”, diz.
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Aos 24, Benneckenstein decidiu buscar ajuda na Exit junto com sua mulher, Heidi. Foi um processo lento: já três anos antes disso, ambos tinham começado a questionar aspectos da ideologia, como o racismo e as teorias da conspiração que acreditam que os judeus oprimem os alemães.
Outro motivo para a saída do casal foi a questão da criação dos filhos que queriam ter juntos. Heidi cresceu com um pai neonazista e sentiu na pele como é ser educada com a rigidez da ideologia. Ambos não queriam o mesmo para os filhos. “Família é um ponto muito importante dentro do movimento nacional-socialista. Ter filhos é visto como a perpetuação da raça, são eles que vão continuar a sua luta”, explica Benneckenstein, hoje pai de um bebê de um mês.
MEDO
Sair não foi fácil. Os sinais de resistência do casal não foram bem-vistos na divisão de Munique do partido Nationaldemokratische Partei Deutschlands (NPD), ou Partido Nacional Democrático da Alemanha, em português, onde haviam se conhecido. A desconfiança deu lugar a ameaças, e foi nesse momento que decidiram buscar a ajuda da Exit. “Recebíamos ameaças na internet dizendo que iam divulgar coisas sobre nós que não queríamos que fossem divulgadas. Quando você conhece essas pessoas desde a adolescência, elas sabem coisas sobre você que não necessariamente você quer que venham a público.” Outras ameaças eram mais violentas. “Certa vez, perto da estação de trem da nossa casa, picharam uma suástica com a frase embaixo: ‘Vamos te encontrar’.”
Por isso, a primeira fase do auxílio que receberam da Exit foi focada em garantir sua segurança. Heidi e Felix encontraram um novo endereço e tiveram proteção policial nos primeiros dias. Wichmann, conselheiro na Exit desde 2012, explica que toda essa pressão psicológica faz parte de uma estratégia dos extremistas para as pessoas não abandonarem os grupos — a taxa de reincidência dos auxiliados pela ONG, porém, é baixa, de 3%. “Quando as ameaças se tornam sérias, então agimos mais rápido para garantir a segurança”, diz. Em um dos casos mais difíceis do qual recorda Wichmann, uma mãe deixou a cena com seus filhos e teve de pedir proteção contra o pai, que seguiu no extremismo. “O pai pediu na Justiça o direito de ver as crianças, mas perdeu porque consideraram que ele representava uma ameaça à mãe e, portanto, também às crianças.”
DETOX
Depois que a parte da segurança é resolvida, a recuperação se concentra em trabalhar a visão de mundo do neonazista. A organização não se posiciona como dona do discurso correto, mas procura mostrar alternativas. Isso significa que temas como anti-islamismo, terrorismo e políticas de migração entram em pauta em forma de debate, não como aula sobre certo e errado. “Temos casos de pessoas que trabalham hoje em projetos com refugiados, de outras que agora são de esquerda e de outras que são mais conservadoras politicamente. O importante é que a pessoa reconheça que a postura que tinha antes não era correta”, diz Wichmann.
No caso de Felix Benneckenstein, as ideias racistas e anti-imigração eram temáticas que ele já vinha questionando três anos antes de sair do NPD. Além disso, o processo o fez lembrar que crescera em um ambiente multicultural por causa de seus pais, de posicionamento de esquerda liberal, e nunca se vira como o típico neonazista que sentia ódio de todos os imigrantes. “Eu não queria me ver como racista e não queria ter ódio contra indivíduos. Mas eu era da opinião de que cada povo deveria viver entre si, ou seja, separados uns dos outros.”
TROLLAGEM É ARMA CONTRA ÓDIO
Vai um brinde aí, senhor neonazista?
A Organização Exit não aborda diretamente o público-alvo dos seus serviços. Seria arriscado e pouco efetivo. Em vez disso, o marketing da instituição é focado em criar formas inusitadas de ir contra o discurso dos neonazistas — de preferência, sem que eles se deem conta, ou seja, fazendo uma bela trollagem.
Em certa ocasião, usando nome falso, a ONG entrou em contato com os organizadores de um show de direita nacionalista para enviar camisetas em apoio ao evento. Distribuídas de graça, as peças tinham a estampa “Rebeldes hardcore. Nacionais e livres”. O que os ganhadores do brinde não sabiam é que a estampa saía na primeira lavagem e dava lugar à frase “O que a sua camiseta fez, você também pode fazer. Nós ajudamos você a se libertar da extrema-direita. Exit Deutschland”. “A ideia era fazer com que a pessoa se lembrasse da nossa organização e soubesse que poderia nos ligar caso pensasse em deixar o movimento”, diz o conselheiro Fabian Wichmann.
Outra ação, a mais famosa dentro dessa estratégia de levar o nome da organização a eventos extremistas, é a Rechts gegen Rechts (direita contra direita), que acontece já há quase quatro anos. Tudo começou em 15 de novembro de 2014, quando grupos neonazistas marcaram uma marcha na cidade de Wunsiedel, na Baviera, sul da Alemanha. Mas eles não imaginavam que, a cada metro marchado, 10 euros seriam doados por moradores para a Exit. Ou seja, no final, eles acabaram atuando contra a própria causa. Só nesse dia, 10 mil euros foram arrecadados, e a fama do protesto inusitado se espalhou. A partir daí, outras cidades escolhidas para marchas fizeram a mesma coisa. Assim, desde 2014, mais de 48 mil euros já foram angariados por meio dos passos dos próprios neonazistas.
Outra campanha semelhante é a Hass hilft (“o ódio ajuda”), em que, a cada comentário no Facebook contra imigrantes, refugiados, negros e judeus, um euro é doado — o placar está em 55 mil euros. “A ideia é exatamente retomar a narrativa e achar alternativas para ela, criando um novo discurso que seja positivo”, diz Wichmann.
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