A matemática do amor (e da guerra)
Se você já se apaixonou (e já se machucou), deve ter se perguntado porque nunca desenvolveram uma fórmula mágica para prever se um relacionamento vai dar certo ou não. Mágica ela não é, mas uma equação matemática que prevê o destino do amor foi criada há mais de 20 anos.
O psicólogo John Gottman queria entender o que há de comum entre casais que dão certo – e entre aqueles que se divorciam. Muitos outros cientistas fizeram isso. Mas Gottman resolveu colaborar com James Murray, um matemático, para descobrir se era possível resumir situações tão complexas em uma só equação.
Eles começaram estudando absolutamente tudo que rola enquanto um casal briga. Os cônjuges eram divididos em duas salas, e os pesquisadores mediam suas expressões faciais, batimentos cardíacos, pressão sanguínea, suor e palavras usadas enquanto descreviam situações recentes que viveram com seus parceiros. Depois, continuavam a monitorá-los enquanto interagiam um com o outro.
Com isso, o psicólogo e o matemático atribuíram um número para cada emoção demonstrada. Seis anos depois, eles reencontraram os casais para ver quais tinham permanecido juntos.
Colocando todos esses dados em um gráfico, eles perceberam que casais com maior chance de ficarem juntos tinham variações de emoção, mas a média, somando e subtraindo todos os momentos narrados, era positiva. Já os casais com maior chance de se separar – ou de ficar em um estado crônico de infelicidade no casamento – entravam em uma espiral de negatividade.
Mas o laboratório do amor de Gottman foi além: quis encontrar um jeito de prever quais casais iriam se separar olhando só para uma conversa entre eles.
Uma pista eram os sinais fisiológicos: mesmo quando aparentavam calma, os casais que se separaram no futuro já tinham corações mais acelerados, pressão mais alta e suavam mais durante as entrevistas sobre seus parceiros.
Mas esse texto é sobre matemática, não sobre biologia. Então os pesquisadores juntaram todos os dados e foram em busca de uma fórmula capaz de prever os casais de sucesso a partir de apenas 15 minutos de conversa entre eles.
Eles encontraram a resposta em um modelo matemático de equações diferenciais não-lineares. O nome e os cálculos podem ser complicados, mas a explicação é simples. No caso da esposa, a fórmula é essa:
O resultado da conta vai prever qual será a próxima atitude da esposa durante a conversa, logo depois que o marido terminar de falar (t+1).
Com esse resultado, você calcula a próxima atitude e a seguinte, até poder prever como a conversa vai terminar. Esses número geram um gráfico. E aí resta ver se esse casal se parece mais com os gráficos de baixo risco (com reações mais positivas que negativas) ou de alto risco (espiral de negatividade)
Mas voltando à conta: primeiro é preciso saber o valor de A, que representa o estado emocional da esposa antes de interagir com o marido. Se ela estava alegre, A = +4.
Já o termo r representa inércia emocional – ou seja, quanta interação negativa demora para que a esposa saia do estado estável de A. O r é multiplicado por Wt, que é a atitude da esposa no momento observado. Ou seja, se ela está triste, Wt = -1. A mesma equação vale para o marido, só é preciso computar as atitudes dele nas variáveis acima.
O último termo representa o quanto de influência o marido tem sobre a esposa (e vice-versa). Essa função de influência foi a grande descoberta do laboratório de Gottman. Isso porque, é claro, as ações de um membro do casal afetam nas atitudes do outro. Mas como isso acontece?
Os cientistas pensaram em duas hipóteses. Uma é bem linear: se o marido tem uma ação um pouquinho positiva (abaixa a tampa do vaso, não deixa a toalha na cama), a esposa teria uma atitude um pouquinho positiva como resposta. Já se ele é um pouquinho negativo, ela teria uma reação mais negativa. E a intensidade da reação vai aumentando conforme o tamanho da ação, como no gráfico B.
Só que essa hipótese não era compatível com a realidade. Não somos tão racionais assim. Na vida real, pequenas atitudes (boas ou ruins) do outro não afetam nosso humor de primeira. Só que as cagadinhas vão se acumulando, sem reação nenhuma, até que PÁ, explodimos.
O momento da explosão é chamado de parâmetro de negatividade (vamos chamar de PN) e o momento em que ele acontece varia de pessoa para pessoa, como mostra o gráfico A.
Quanto mais longe de zero está PN, mais aquela pessoa tende a relevar os erros do parceiro, e mais tempo ela leva para explodir (figura C).
Já as pessoas com PN próximo a zero tendem a se chatear ou irritar com pouco, e explodem rápido (figura D).
E aí é que está a grande surpresa do experimento. É fácil imaginar que pessoas a princípio mais tolerantes, com um PN beeeeem alto, teriam mais sucesso no amor. Entrariam em menos conflito e desgastariam menos a relação.
Mas, na prática, o oposto acontece. Os casais de maior sucesso e mais satisfeitos com a relação têm PN bem pequenos. Porque eles discutem os problemas pequenos antes que eles se juntem e virem um problemão.
Ao invés de não reagir e se adaptar às atitudes negativas do parceiro, essas pessoas estão em um estado frequente de debater e se reconciliar, consertando a relação para mais satisfação a longo prazo.
Depois do amor, a guerra
As curiosidades do estudo não param por aí. O modelo foi intensamente inspirado por outro tipo complexo de conflito: as corridas armamentistas.
E, segundo Hannah Fry, autora do livro Mathematics of Love, as mesmas equações que prevêem divórcios podem ser usadas com bastante precisão para calcular os próximos passos de países competindo no desenvolvimento de armamentos nucleares.
Fazendo as mesmas contas com o mesmo sistema dos afetos – e levando em conta o “humor” de cada país quando estão ou não em contato -, dá para desenvolver um gráfico parecido com os primeiros mostrados nesta matéria. E se ele ficar muito parecido com a espiral de negatividade, o risco de tudo culminar em uma guerra nuclear fica bem alto. E aí, voluntários para testar a equação do amor na Coreia do Norte?
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