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Astrônomos brasileiros ajudam a mapear matéria escura do Universo

Dark Energy Survey é conduzido no Observatório Interamericano de Cerro Tololo, no Chile (Foto: divulgação)

Se nosso Universo fosse uma árvore frondosa, faria sentido dizer que, pela primeira vez, os cientistas conseguiram mapear com certa precisão seus intermináveis e misteriosos galhos de matéria escura, que correspondem a 26% da árvore.

Eles são invisíveis pois se recusam a interagir com a luz, mas sabemos que estão lá pois detectamos sua gravidade espreitando e aglutinando a matéria convencional.

Esta matéria, por sinal, da qual nós e as estrelas somos feitos, seria comparável às folhinhas da planta, somando só 4% do todo — sim, tudo o que a gente conhece do Universo corresponde a só 4%. Mas e os outros 70%? Calma: chegaremos lá.

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Acontece que, até então, era como se os pesquisadores precisassem voltar quase 14 bilhões de anos no tempo e analisar a semente dessa árvore se quisessem reconstruir seus processos de germinação, crescimento e o estado atual. Não parece meio complicado?

E é mesmo: tanto que a cosmologia, que estuda o nascimento e evolução do Universo, permanece com diversas questões em aberto graças à limitação de dados. A semente é a radiação cósmica de fundo (RCF), micro-ondas que permeiam todos os cantos do cosmos — resquício do Big Bang que teve origem menos de 400 mil anos após a grande explosão.

De 2009 a 2013, o satélite Planck, da Agência Espacial Europeia, fez um mapeamento detalhado dessa radiação. Desde então, os cosmólogos usam e abusam do valioso mapa produzido para decifrar as condições e a estrutura do Universo quando ele era um bebê de colo.

É por isso que os dados sobre a RCF desempenham um papel fundamental nos modelos que explicam como chegamos até aqui — e para onde estamos indo.

Copa da árvore cósmica
Agora, foram publicados dez artigos com resultados preliminares do DES (Dark Energy Survey, ou Levantamento da Energia Escura), promissora colaboração com mais de 400 pesquisadores de sete países.

Eles querem produzir dados que se igualem ou superem a precisão do Planck sobre a estrutura do cosmos na maior escala (os filamentos que congregam superaglomerados de galáxias como em uma teia de aranha).

Mapa preliminar com os resultados do primeiro ano do DES: regiões em vermelho têm maior concentração de matéria escura (Foto: Reprodução)

 

A grande diferença entre o levantamento do Planck e do DES é que, enquanto o primeiro só nos mostra um retrato da semente da árvore cósmica, o segundo nos dará nos próximos anos um mapeamento muito mais recente da copa dessa árvore.

É um pouco como pegar aquele álbum de fotografias velho e empoeirado guardado na casa de seus pais e se ver mais jovem, em várias etapas de sua vida.

“À medida em que formos tendo imagens intermediárias de como era nosso Universo, veremos como suas características mudaram da fase de bebê até a vida adulta”, diz o astrônomo Marcio Maia, do Observatório Nacional (ON).

Se o cosmos como mostrado pelo satélite Planck é um bebê de colo, o que está sendo revelado pelo DES ainda não é o adulto formado que vemos hoje, mas já é um mocinho beirando a maioridade.

“Isso ajuda a estabelecer um roteiro histórico que mostre como ele veio daquela fase até essa”, explica Maia, um dos cerca de 30 pesquisadores do consórcio DES-Brazil, grupo com estudantes e pós-docs do ON e cinco universidades que coordena a colaboração brasileira no projeto.

Nossa participação custou pouco para uma iniciativa desta envergadura: US$ 400 mil e mais o desenvolvimento até dezembro de um portal científico para disponibilizar os dados coletados. Segundo Maia, a contrapartida de fazer a plataforma foi um ótimo negócio: resultou em economia de pelo menos o dobro do valor pago e em capacitação de nossa comunidade científica.

“Esse dinheiro que iria para os Estados Unidos é gasto aqui no Brasil, empregando brasileiros para trabalhar principalmente na parte de informática.” Com isso, aprimoramos a capacidade de elaborar e gerir projetos de big data no contexto astronômico.

Quem toca tudo isso por aqui é o Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA), cuja missão é estimular e organizar a participação de pesquisadores brasileiros em grandes consórcios internacionais de mapeamento do Universo.

Entre as consequências mais notáveis, está a chance de fornecer a nossos cientistas, da graduação à pós, a chance de estar na fronteira da produção científica mundial e de atuar em pé de igualdade com pesquisadores do exterior. “A competição é grande, mas se nos empenhamos, temos protagonismo”, diz Maia.

Tateando no escuro
Para obter os resultados apresentados pelos astrônomos no início de agosto, foi necessário uma das câmeras fotográficas mais potentes do planeta, com incríveis 570 megapixels. Ela analisou a luz de mais de 26 milhões de galáxias, localizadas a até oito bilhões de anos-luz da Terra.

Acoplado ao Telescópio Blanco, que fica no Observatório Interamericano de Cerro Tololo, no norte do Chile, o instrumento opera em um vale de céus límpidos, no cume de uma montanha andina com mais de 2 mil metros de altitude.

E olha que esses dados do DES que geraram o melhor mapa da matéria escura até agora cobriram só um trigésimo do céu: ainda são um gostinho do que está por vir. Trata-se do material coletado apenas no primeiro ano da pesquisa, em 2013.

Em fevereiro de 2018, ao fim dos cinco anos de duração do projeto, os pesquisadores esperam ter analisado mais de 300 milhões de galáxias e cobrir um oitavo do céu.

Telescópio Blanco, no observatório interamericano de cerro tololo (Foto: divulgação)

 

Eles desenvolveram técnicas minuciosas para quantificar a matéria escura através da distorção ínfima que sua gravidade provoca na luz das galáxias distantes. Também determinam distâncias de supernovas, examinam o crescimento de aglomerados de galáxias ao longo das eras e calculam os graus de aglomeração da matéria.

O objetivo disso tudo é solucionar o mistério da matéria escura e outro enigma dos mais angustiantes da astrofísica.

Sina do Universo
“O levantamento utiliza as observações de galáxias para obter informações sobre como o Universo está crescendo”, diz Maia. E é aqui que voltamos aos 70% da árvore cósmica — a energia escura. Na nossa metáfora, seria como uma força vital que faz a planta crescer cada vez mais depressa.

Na cosmologia, diz-se que ela é uma espécie de antigravidade, uma rival da matéria escura que permeia o espaço e faz com que as galáxias se afastem umas das outras de forma acelerada.

Descobrir o que são essas duas coisas é essencial não só porque elas somam 96% da composição do Universo, mas também pois compreendê-las é a chave para desvendar seu destino.

Como saber se a sina do cosmos daqui a bilhões de anos é atingir um ponto de contração, em que entrará em colapso sobre si mesmo e voltará a ser uma singularidade, ou então se transformar em uma escuridão gelada, na qual nem os átomos serão capazes de se manter aglomerados frente à expansão acelerada movida pela energia escura? Ou se nenhuma das duas hipóteses é correta? Os dados do DES devem ajudar.

“Tem bastante modelo cosmológico por aí, mas não podem estar todos certos, com certeza vamos conseguir eliminar alguns”, afirma Maia. Ele acredita que o problema da matéria escura pode até ser resolvido por físicos de partículas, já que experimentos e colisores como o LHC trabalham nisso noite e dia. Mas com a energia escura é outra história.

“Só dá para sentir seu efeito em escalas muito grandes”, diz. “Essa vai ter que ser resolvida pelos astrônomos, não tem jeito.”

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