Como acabar com Kim Jong-un sem levar a Terra junto
“E se o ‘botão’ para começar uma guerra nuclear ficasse dentro do peito de alguém?”A proposta foi feita pelo professor de Harvard Roger Fisher, em 1981, em um artigo sobre como prevenir uma guerra nuclear. Ele explica: “Minha sugestão era simples: colocar o código numérico necessário para armar as ogivas nucleares em uma cápsula, e implantá-la bem ao lado do coração de um voluntário. Se algum dia o presidente quisesse usar armas nucleares, a única maneira de fazê-lo seria, primeiro, matando o voluntário com as próprias mãos. O presidente diria ‘Caro, sinto muito, mas dezenas de milhões de pessoas precisam morrer.’ Ele tem que olhar nos olhos de alguém e perceber o que a morte realmente é.” Talvez falte essa noção exata a Kim Jong-un e Donald Trump. Mas vale lembrar que, por mais instáveis e bravateiros que os dois sejam, a tensão nuclear entre EUA e Coreia do Norte não começou com os líderes atuais dos dois países. Ao final da 2a Guerra, em 1945, os EUA ocuparam a parte sul da peninsula coreana; a então aliada União Soviética, a norte, que tinha sido invadida pelo Japão. A paz durou pouco, e os dois lados entraram em um conflito que durou três anos, a Guerra da Coreia. Guerra que nunca acabou de fato: desde 1953 vigora um mero cessar-fogo, que continuou envolvendo as superpotências. Terminadas as batalhas, os EUA posicionaram dezenas de mísseis armados com ogivas nucleares na Coreia do Sul, apontados para a União Soviética. Os russos fizeram o mesmo ao norte, apontando os seus para os EUA.
O medo de que a península estava fadada a reviver o horror de Hiroshima e Nagasaki durou décadas – com um breve período de esperança. Em 1985, a Coreia do Norte havia assinado o tratado de não proliferação de armas nucleares. E, em 1991, URSS e EUA concordaram em tirar os seus arsenais de lá. Mas no meio dos anos 1990, depois da ascensão de Kim Jong-il (pai de Jong-un), a situação voltou a ficar tensa. Seguidos testes de mísseis fizeram com que a Coreia do Norte virasse não apenas uma incógnita, mas um pesadelo mundial. A tensão jamais cessou. A região de fronteira entre as duas Coreias, tem hoje cerca de 1 milhão de soldados do Norte e 600 mil do Sul estacionados, à espera de algo.
25 anos em vão
E o que os EUA têm a ver com tudo isso? Bem, o sonho dos norte-coreanos era – e continua sendo – unir todos os coreanos sob uma só bandeira, já que a família de Kim considera o povo da península uma “raça” mais capaz do que a dos outros habitantes da Terra. Na mitologia dos líderes supremos da Coreia do Norte, a forte presença militar americana no Sul (são quase 30 mil militares instalados lá hoje) simboliza acima de tudo o inimigo externo, que impede o glorioso destino coreano.
Todos os líderes que ocuparam a Casa Branca nos últimos 25 anos almejaram a paz com a Coreia do Norte. Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama ensaiaram acordos, e quando as negociações não iam adiante, a ONU tentava deter o avanço das armas norte-coreanas com sanções econômicas. Tudo em vão. Em 2005, a Coreia do Norte produziu sua primeira bomba atômica.
“Fogo e fúria”
De lá para cá foram pelo menos quatro testes nucleares públicos e dezenas de lançamentos de mísseis, de alcance cada vez maior. E em julho de 2017 esse bolo ganhou sua cereja: especialistas afirmaram que os norte-coreanos tinham construído um míssil balístico intercontinental (ICBM). Ainda não é certo que eles tenham mesmo tal arma – capaz de chegar a Los Angeles em 30 minutos. No início de agosto, porém, a TV da Coreia do Norte alertava: “Não há maior erro do que os EUA acreditarem que o seu território está seguro”.
Trump respondeu no mesmo tom, e disse que, se a Coreia do Norte insistisse nas suas ameaças, ela iria sofrer com “fogo e fúria” de “um jeito que o mundo nunca viu”. Analistas apressados logo interpretaram o recado como uma ameaça de bombardeio nuclear na Coreia do Norte. Mas a verdade é que o presidente americano gosta de hipérboles, e outros membros do governo, como o secretário de Estado, Rex Tillerson, se esforçaram em minimizar as ameaças de Trump.
Kim Jong-un também gosta de meter medo, mas já disse que só vai usar algum míssil se os EUA atacarem primeiro. Em meio à luta verbal, a imprensa internacional apresentou simulações de como seria um conflito com a Coreia do Norte. E a revista americana Atlantic resumiu bem: “Não há boas opções, mas algumas são piores que outras”. Todas as alternativas menos piores têm algo em comum: não envolvem armas atômicas. Vamos a elas.
Três cenários
A opção mais simples é a da “decapitação”: tropas de elite assassinariam o ditador e seus comandantes. Esse plano já está sendo treinado por fuzileiros estacionados na Coreia do Sul, de acordo com a mídia de Seul. O risco: mesmo que a decapitação do regime seja bem-sucedida, quem assumir no lugar de Kim poderá seguir com os planos dele.
Outra alternativa é atacar não a Coreia do Norte, mas os mísseis que ela testa. Tão logo a inteligência americana souber de novos testes, navios no Mar do Japão disparariam contra o projétil ainda em solo norte-coreano. O ataque preventivo mandaria uma mensagem forte, e ao mesmo tempo não seria uma declaração de guerra completa. O problema é saber quando e onde vão acontecer os próximos testes.
Uma terceira opção, talvez a mais realista, é que os líderes de EUA, Japão e China simplesmente aprendam a conviver com uma nova nação nuclear. James Clapper, general ex-diretor da Inteligência Americana, diz que o desarmamento norte-coreano é uma “causa perdida”, porque as ogivas nucleares são, de certa forma, a salvação de Kim Jong-un. Clapper avalia que armas nucleares poderiam ter protegido Saddam Hussein ou Muammar Gaddafi, da Líbia. Ambos foram removidos por forças estrangeiras mais facilmente, já que invasores não temiam retaliação nuclear. Se os EUA encararem a nuclearização da Coreia do Norte como algo sem volta, isso deve aumentar o esforço para uma saída diplomática. O mundo, afinal, convive há 60 anos com a hipótese de aniquilação nuclear. Só estamos vivos hoje por conta do bom-senso. Que ele prevaleça mais uma vez. Porque, se não prevalecer, a humanidade talvez não tenha uma segunda chance.
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