Theon Greyjoy e o transtorno pós-traumático em Game of Thrones
O escritor George R. R. Martin não é famoso pelo carinho que sente pelos personagens de Game of Thrones. Viver em Westeros é literalmente uma guerra pela vida. E, como em todos os conflitos, isso deixa marca nas pessoas.
Depois de servir por três vezes no Iraque, o consultor em segurança e escritor Myke Cole percebeu diretamente como os traumas mentais e emocionais afetam as pessoas. Ele só não esperava que Martin retratasse isso tão bem em uma obra de ficção.
"Quando terminei A Dança dos Dragões, percebi em um estalo que Martin tinha capturado a gama de reações associadas ao transtorno do estresse pós-traumático (TEPT)", escreveu Cole, em um artigo do livro Além da Muralha (Ed Leya).
Para ele, o personagem que representa o ponto máximo do transtorno é Theon Greyjoy. E não é para menos. Os traumas começaram cedo para o herdeiro das Ilhas de Ferro.
Theon cresceu em Winterfell, cercado pelos benevolentes e justos Starks. Mas ele sempre foi um prisioneiro — apesar de ser tratado como membro da família aos olhos do público. Até o bastardo Jon Snow recebe tratamento melhor que o dele. Apesar do ambiente em que cresceu ser mais acolhedor do que aquele do qual foi retirado, Theon é encarado como um forasteiro, uma peça poliítica a ser manipulada.
"Theon recebe a desconfiança das pessoas que o mantém como refém. Não recebe nenhuma ajuda, ele não é educado para lidar com os infortúnios da vida. Theron não tem o amparo de um presente como a espada de Arya ou de um paciente e gentil mestre de esgrima", lembra Cole.
Além disso, é tratado como fraco e covarde pela família biológica. "Alguns podem argumentar que a tomada de Winterfell por Theon é o ato ousado de um homem que tenta estabelecer sozinho e provar seu valor para uma família que julga homens pelos feitos nas armas. Eu interpreto como o golpe rancoroso de uma ciança ferida por todos ao seu redor, todos aqueles que ele ama e deveria amar", relata Cole.
A Condição Negra
O autor usa o famoso código de cores criado pelo fuzileiro naval e instrutor de tiro norte-americano Jeff Cooper para exemplificar a ficção. O sistema, projetado para lidar com situações táticas, foi usado como parte do treinamento dos soldados que lutaram no Iraque. É uma espécie de analogia para mostrar "mais ou menos" como funciona o TEPT.
Segundo a ideia, a maioria das pessoas que vivem em sociedades relaticamente seguras e pacíficas estão na Condição Branca, alheios aos perigos do mundo. Ao serem expostos a um trauma, a postura fica muito mais defensiva, pessando pelo pânico, a negação ou até a paralização. É o que Cooper chama de Condição Negra.
O fuzileiro afirma que essa condição pode ser evitada, se a pessoa se manter relaxada, mas vigilante, passando assim para a Condição Amarela.
Theon estaria claramente na Condição Negra, que também tem como característica o comportamento autodestrutivo e viciante. No caso do Greyjoy, isso é bem definido no começo da história. "Como um vício, o personagem usa o sexo não tanto como fonte de prazer, mas para amenizar um compulsão", escreve Cole.
Quando Theon chega às mãos de Ramsey Bolton, portanto, ele já está devidamente traumatizado. A tendência, depois de ter o pênis arrancado e passar a viver como lacaio bajulador de seu toturador é, obviamente, é piorar.
"Como Arya, Theon abandonou sua antiga identidade e se reconstruiu completamente, embora, no caso dele, em uma identidade na Condiçao Negra, não na Condição Amarela [como Arya]. Enquanto a Stark se torna capaz, experiente e lutadora adaptável, Theon afunda na autopiedade, no terror e na paralisia. Ele emerge desse pântano como o fétido e assombado Fedor."
Não surpreende, portanto, que, mesmo depois de passado o terror, o herdeiro dos Greyjoy prefira pular no mar em vez de tentar salvar a irmã da morte, atitude tida como covarde até pelos soldados mais baixos da história.
A questão que se coloca é se Theon vai conseguir superar seus medos ou se o personagem vai ficar perdido para sempre em seus próprios traumas.
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