Como a burocracia atrapalha a criação de empregos
Existem duas vezes mais empresários no brasil do que nos EUA. E não. Isso não significa que temos mais gente endinheirada aqui do que lá. O grosso do nosso empresariado é formado por vendedores de coco, eletricistas, borracheiros. São exatos 48 milhões de pessoas jurídicas por aqui, número que supera com folga os 33 milhões que trabalham com carteira assinada.
Dentre as dez maiores economias do planeta, nenhuma chega sequer perto desses números. Nos EUA, que têm uma população 60% maior que a nossa, o número fica em 24 milhões.
Ou seja: pouca gente aqui abre negócio porque quer. Abre porque precisa. A cada pessoa que decide iniciar um negócio por ter encontrado uma oportunidade, 1,4 abrirá suas empresas (na maior parte, negócios individuais), ou porque está desempregado ou porque o emprego atual não paga as contas. Nos EUA, é o contrário: são 2,4 empreendedores que dizem ter aberto seus negócios por conta de alguma oportunidade contra um por necessidade.
O Brasil, como se diz por aí, não tem exatamente um empresariado. Tem um “emprecariado”. Entre cada dez brasileiros donos do próprio negócio, sete recebem menos de três salários mínimos, média bastante similar à do restante da população. Com a criação de moda lidades como o MEI, o Micro Empreendedor Individual, abrir um negócio pode ter se tornado mais fácil para boa parte da população. Na média, porém, seguimos a passo de lesma. Precisamos de 119 dias em média para colocar uma empresa em funcionamento, com tudo em ordem. Na China, bastam 38 dias. Na Nova Zelândia, 30 minutos – sim, lá é tudo pela internet mesmo.
Apanhando da Mongólia
Dentre as 190 economias analisadas pelo Banco Mundial, estampamos a 175ª posição quando o assunto é facilidade para abrir uma empresa.
O Banco Mundial também computa os países com ambientes mais propícios a negócios. Nesse ranking, estamos em 123o, bem atrás de Uzbequistão (87o), Uruguai (90o), Mongólia (64o) – países que pouco se comparam ao nosso em termos de tamanho ou diversificação da economia – dois fatores que, no resto do mundo, facilitam a criação de novos negócios. Na prática, é mais fácil abrir e tocar um empreendimento em um país formado essencialmente por nômades do que no Brasil de 2017.
Entender o que causa tamanha demora não é das tarefas mais difíceis. Para abrir uma microempresa, você tem de se registrar na junta comercial do seu Estado, na Receita Federal, na Receita Estadual, na prefeitura e no INSS. Isso no caso de uma empresa micro. Se você pensar em algo maior, terá de lidar com outras burocracias. O custo para registrar sua marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), e tê-la protegida pela lei, pode exceder ao da abertura da própria empresa. Pior: o processo leva em média quatro anos, contra um ano nos EUA.
Tamanha falta de integração entre os sistemas estaduais, municipais e federais, é um ponto crucial, que na prática alimenta a chamada república cartorária. O resultado? A profissão com melhor remuneração no país hoje é justamente a de dono de cartório.
Imagine por exemplo que há meros dois meses a exigência de firma reconhecida em documentos federais foi abolida pela União, e que ainda assim, se você for abrir sua empresa hoje, é preciso ter firma reconhecida no chamado DBE, ou Documento Básico de Entrada, emitido pela Receita Federal, pois as juntas comerciais ainda não estão todas adaptadas a esta novidade.
Os brasileiros precisam de 119 dias, em média, para abrir uma empresa. Na China, são 38 dias. Na Nova Zelândia, 30 minutos.
2.600 horas no inferno
Pronto. Agora sua empresa está aberta e operando. Mas cabe lembrar que a parte difícil da burocracia não ficou para trás. E a culpa é do nosso sistema tributário. Tanto que outro ranking do Banco Mundial em que passamos vergonha é de facilidade para manter uma empresa em dia com as taxas (o Brasil está em 181o ali).
Pois é. Se você acha que nossa carga tributária é alta (e é mesmo, pois se trata da sexta maior do mundo entre países de renda média), manter um negócio em dia pode lhe dar uma dimensão ainda maior do problema. Nossas empresas gastam, em média, 2.600 horas por ano para organizar a papelada e ficar em dia com o fisco, contra 286 horas no México e 277 horas no Uruguai.
É fato que os pequenos empresários têm uma vantagem nesse quesito: eles podem enquandrar suas companhias no chamado Simples, um sistema criado em 1996 para reunir todos os impostos em um só. Bacana. Mas, mesmo quando a intenção é reduzir burocracia, conseguimos complicar certas coisas.
Imagine que você abriu um pequeno comércio que faturava R$ 100 mil por ano. Em 2012, sua carga tributária pelo Simples seria de R$ 8.360. Três anos depois, caso tivesse corrigido seus preços pela inflação do período, você já estaria pagando R$ 10.767. Isso dá quase 29% a mais de imposto, contra 24% de inflação.
De tempos em tempos, o governo corrige a tabela de impostos do Simples para eliminar essas distorções. O problema é que, via de regra, isso acontece com alguma defasagem em relação à inflação. Nessa, o governo ganha e você perde. E isso vale não só para os empresários, mas para todos os brasileiros: nossas micro e pequenas empresas são responsáveis por mais de 52% dos empregos no setor privado.
Mortalidade empresarial
Um ambiente hostil ao empreenderorismo é um ambiente hostil à criação de empregos. E as perspectivas seguem sombrias. De cada dez abertas hoje no Brasil, seis devem fechar as portas nos próximos cinco anos. Em 2015, o pior ano da crise, 1,8 milhão delas fecharam no País – número não muito distante dos 2,8 milhões de trabalhadores que perderam o emprego na mesma época.
É isso. Um país onde até um sistema batizado como Simples se revela intrincado, não bastam boas ideias para virar empreendedor. Você também vai precisar de paciência e sorte – afinal, basta uma canetada errada em Brasília, e os seus custos com energia, por exemplo, podem subir 50% (a exemplo do que já aconteceu). Se você pensa em empreender, então, planeje-se, mas não deixe de acender uma vela para que o governo faça o mesmo.
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