Como sapos venenosos sobrevivem ao próprio veneno?
Phyllobates terribilis. Esse é o nome científico do simpático anfíbio aí em cima. Ele tem 5,5 centímetros – mais ou menos o tamanho de uma peça de LEGO –, e contém veneno suficiente para matar dez pessoas numa tacada só (o que provavelmente explica o terribilis do nome).
A morte é rápida: a substância secretada pela pele do animal, comum na Colômbia, impede o cérebro da vítima de enviar sinais elétricos para o resto do corpo. Todos os músculos são paralisados – inclusive o coração e o diafragma, responsável pela respiração.
O terribilis é mencionado por várias fontes como o vertebrado mais venenoso do planeta. Um mísero grama de seus alcalóides, chamados batracotoxinas, é suficiente para matar 15 mil seres humanos. Ele, porém, não é o único. Há mais de 100 espécies de anfíbios tóxicos por aí, que contam com um arsenal de algumas dúzias de substâncias letais.
A pergunta de um milhão de dólares, nesse caso, é simples: como bichinhos desse tamanho se tornaram imunes a substâncias tão perigosas – a ponto de andarem por aí com a pele besuntada por elas sem serem afetados? A resposta está em um artigo científico publicado hoje na Science.
“Ser tóxico é bom para sua sobrevivência – te dá uma vantagem sobre seus predadores”, explica Rebecca Tarvin, bióloga da Universidade do Texas e líder do estudo. “Então por que não há mais animais tóxicos por aí? Nosso estudo mostra que a principal restrição é se os animais serão capazes de desenvolver resistência às suas próprias toxinas. Nós descobrimos que a evolução deu um jeito nisso exatamente da mesma maneira em três grupos diferentes de sapos. Isso é muito bonito.”
Tarvin e sua equipe focaram o estudo em um grupo de sapos tóxicos típicos do Equador, que compartilham o mesmo princípio ativo: a epibatidina, um alcalóide com efeito analgésico que não vicia, mas é 200 vezes mais forte que a morfina. Seu uso terapêutico já foi considerado por médicos, mas a substância se torna letal em doses tão pequenas que não vale o risco.
Eles também analisaram o material genético de sapos que secretam outras substâncias e de sapos que não secretam nada – mas servem como base de comparação. Foram coletadas, ao todo, amostras de 28 espécies.
O próximo passo foi criar uma árvore genealógica dos DNAs desses animais, mapeando as modificações que genes equivalentes sofreram em cada espécie ao longo da história.O truque é simples: pegue dois sapos, um imune à epibatidina (e portanto capaz de secretá-la) e outro não. Se eles possuírem apenas dois genes de diferença entre si, as chances de que sejam esses os genes responsáveis pela imunidade são muito altas.
Aqui é preciso entender duas coisas:
1º: esses sapos não produzem epibatidinas ou batracotoxinas em seu próprio organismo. Essas substâncias perigosas vêm, em geral, dos insetos e outros artrópodes de que eles se alimentam. Por isso, se um sapo quiser suar veneno pelos poros, ele precisa primeiro se tornar imune à ingestão desse veneno.
2º: essas substâncias atuam bagunçando o coreto de proteínas chamadas receptores. Os receptores ficam do lado de fora das nossas células, e permitem que elas recebam informações sobre o meio exterior. O que uma molécula tóxica faz, de maneira bem simplificada, é se disfarçar de outra molécula familiar à célula em questão – e aproveitar a semelhança para dar um comando (muito) errado a ela.
A análise da árvore foi um passe de mágica: ficou estabelecido que uma proteína receptora com 2,5 mil aminoácidos que era resistente à epibatidina tinha apenas três aminoácidos de diferença em relação a uma que não era. Como cada aminoácido é codificado por apenas três bases nitrogenadas (as letras A, T, G, C), a diferença entre o DNA de um sapo tóxico e de um incapaz de sobreviver à toxina é de apenas seis “letras”.
Em outras palavras, sapos venenosos tem proteínas receptoras mais malandras, que ignoram os maus conselhos dados pela epibatidina – e deixam as células seguirem sua vida em paz. Isso é pura seleção natural.
A equipe da Universidade do Texas já havia revelado antes o mecanismo de imunização dos sapinhos da família do terribilis, que abre essa nota. Entender as alterações genéticas que tornaram cada um desses sapos resistentes aos diferentes alcalóides pode ser o pulo do gato para desenvolver analgésicos e anestésicos mais eficientes para seres humanos.
“Qualquer informação que pudermos coletar sobre como esses receptores estão interagindo com as drogas é um novo passo para criarmos drogas cada vez melhores”, afirmou Cecilia Borghese, outra colaboradora do estudo.
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