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'O Suficiente para Viver': como representar transtornos alimentares?

Lily Collins no filme O Suficiente para Viver (Foto: Divulgação)

 

Ellen é uma jovem ilustradora que sofre com anorexia. Ela já passou por todo tipo de tratamento, até que sua madrasta decide a colocar no tratamento do dr. Beckham, cuja abordagem é diferente da dos outros médicos. Em vez de internar seus pacientes com transtornos alimentares, ele os reúne em uma casa, onde são observados e ganham pontos e uma certa liberdade conforme se comportam e cuidam de suas saúdes.

Baseado na experiência da roteirista e diretora Marti Noxon, o filme O Suficiente para Viver, que estreou em julho na Netflix tenta abordar doenças como anorexia, bulimia e compulsão alimentar a partir da experiência de Ellen, vivida pela atriz Lily Collins. Na história, a protagonista sofre com as consequências que a anorexia tem em sua saúde, na estrutura de sua família e no seu desenvolvimento pessoal.

Antes de estrear no festival Sundance e de ser comprado e distribuído pelo serviço de streaming, o longa foi oferecido a diferentes estúdios de Hollywood. Segundo Noxon, muitos dos executivos com quem conversou consideravam a proposta da produção uma de “um filme de doença que ninguém quer assistir”. “Um produtor me disse que era um tópico irrelevante. Irrelevante? Jogue uma pedra no seu escritório e você atingirá uma mulher que tem se machucado de uma forma ou outra”, contou a diretora em entrevista ao Vulture.

Noxon precisou de três produtoras e uma estrela de porte, como Lily Collins (Simplesmente Acontece e Exceção às Regras) para conseguir trazer seu roteiro à vida. Escrito em apenas algumas semanas, o projeto tem muito da experiência pessoal da diretora, que sofreu com anorexia e bulimia durante a adolescência, chegando a pesar apenas 31 quilos.

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Ela credita sua recuperação aos métodos do médico Richard MacKenzie, que permitia que pacientes fossem tratados em casa em vez do hospital e os impedia de olhar para os números da balança enquanto os pesava. “Meu médico fez por mim algo que poucos estavam fazendo na época: que foi me fazer entender que eu não tinha um problema com a comida ou meu corpo, e sim com minha alma”, disse Noxon ao jornal Washington Post. MacKenzie a incentivou a escrever, o que a ajudou a se tornar uma renomada roteirista, participando da produção de séries como Buffy, a Caça-Vampiros (1997), Mad Men (2007), Glee (2009) e UnREAL (2015).

Keanu Reeves interpreta dr. Beckham, que foi inspirado no médico de Noxon na vida real (Foto: Divulgação)

 

Histórico
Foi só na década de 1980 que transtornos alimentares começaram a aparecer em filmes e séries de TV. Nas primeiras produções, o assunto era abordado com uma perspectiva mais didática, tentando explicar ao público o que eram doenças como anorexia e bulimia, que até então pouco discutidas e estudadas.

Na virada dos anos 1980 para os 1990, a perspectiva mudou, dando início a uma lista sem fim de produtos que, em vez de alertar para os sinais e consequências dos transtornos, os romantizavam. No clássico adolescente Atração Mortal (1988), uma personagem diz à outra, que acaba de vomitar: “Cresça, Heather, bulimia é tão 1987!” — o número de mulheres americanas bulímicas com idades entre 10 e 39 anos triplicou entre 1988 e 1993. Já em Segundas Intenções (1999), a bulimia da patricinha Kathryn não tem nenhum resultado negativo e é tratada como um dos pilares que a deixa em boa forma.

Winona Ryder e Shannon Doherty em Atração Mortal (Foto: Divulgação)

 

Essas representações também moldaram a ideia de que transtornos alimentares são problemas pelos quais somente mulheres jovens, bonitas, magras e heterossexuais passam, o que não condiz com a realidade. Ellen, de O Suficiente para Viver, segue esses padrões, mas o filme conta com um rapaz, uma moça negra e gorda e uma mulher de 40 anos que sofrem com diferentes doenças do tipo, apesar de nem estas ou a trajetória deles serem especificadas.

O longa de Noxon também não comete o erro de mostrar cenas gráficas do sofrimento dos personagens ou detalha os métodos utilizados por eles para manterem os transtornos. O erro, que pode ter o efeito nocivo de ensinar os espectadores como desenvolver um distúrbio alimentar, já foi cometido por diversas séries e filmes.

Outro erro comum, principalmente em séries e novelas com protagonistas adolescentes, é tratar um distúrbio alimentar como um artifício do roteiro. Em produções duradouras, nas quais as personagens femininas já passaram pela gravidez na adolescência, o vício em álcool ou drogas, o relacionamento com um homem mais velho ou problemas com os pais, o arco seguinte costuma ser o desenvolvimento de anorexia e bulimia. Séries como Gossip Girl (2007) e Glee já abordaram o assunto, que deixa de ser discutido após alguns episódios, quando as personagens parecem ter superado essas questões — na realidade, o transtorno deixa cicatrizes que acompanham os pacientes pelo resto de suas vidas.

Lily Collins com Marti Noxon, roteirista e diretora de O Suficiente para Viver (Foto: Divulgação)

 

Ao se dedicar totalmente ao tema, O Suficiente para Viver abre um precedente, que é o de tentar se aprofundar na vida de pessoas que sofrem com transtornos alimentares. É a segunda do que parece ser uma gama de produções da Netflix que tem como objetivo discutir assuntos que raramente ganham espaço de destaque em Hollywood. Após 13 Reasons Why, que estreou no início do ano e abordou o suicídio e o filme de Marti Noxon, o serviço de streaming lançou em agosto a série Atypical, cujo protagonista é um menino autista.

O Suficiente para Viver tem suas falhas, o que o torna ainda mais importante: a partir do longa, é possível que novos filmes e séries sobre distúrbios alimentares, com novas perspectivas e abordagens, sejam criadas para aproximar o assunto do público de forma interessante e saudável.

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