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Para especialista, estardalhaço sobre pureza infantil é estratégia política

 (Foto: Reprodução)

 

O menino João Pedro, de 12 anos, ganhou um acordeon de presente de sua mãe. Seis meses depois, já dominando o instrumento, resolveu sair pelas ruas do centro de sua cidade, Santo Ângelo (RS), para apresentar seu recém adquirido talento. Conforme as pessoas se aproximavam, passaram a oferecer dinheiro para o menino. A situação chamou a atenção do Conselho Tutelar, que notificou a mãe e impediu as apresentações.

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O caso é corriqueiro. A conselheira apenas seguiu o que é determinado no Estatuto da Criança e do Adolescente, cabendo à justiça a palavra final sobre a situação. Mas gerou revolta. A história, compartilhada por meio do perfil do Movimento Brasil Livre (MBL) no Facebook, foi replicada mais de 76 mil vezes, de acordo com o projeto “Monitor do debate político no meio digital”. A mais popular da primeira semana do mês de outubro.

A postagem do MBL ainda deixa a mensagem “Ah bom. Isso é inadmissível, né, Conselho Tutelar? Se fosse ao lado de um adulto pelado em um museu estava de boa”, remetendo ao episódio em que uma criança interagia com um homem nu no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

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O caso do MAM foi ainda mais popular, sendo compartilhado 550 mil vezes, com méritos divididos entre o próprio MBL, e outros grupos de direita, como a família Bolsonaro e o Partido Anti-PT.

Dessa forma, se destacam como defensores da moral e dos bons costumes na atualidade, certo? Para a cientista social da Universidade Federal de São Paulo Esther Solano, não é bem assim. Segundo a professora, mais que uma questão de defesa da pureza infantil, todo estardalhaço atende por outro nome: estratégia. Do grego…

O MBL, como o próprio nome diz, foi criado para promover os ideais liberais na economia. O problema é que, segundo Solano, esse papo não tem muito respaldo na população brasileira. “Iniciativas de caráter liberal, como as reformas da previdência e trabalhista, são amplamente rejeitadas pela população. Existe um descontentamento, mas o que as pessoas querem de verdade é um serviço público gratuito de qualidade.”

Como então chamar atenção de quem não concorda com você? Para Solano, desviando o foco. “No lugar de ter um debate mais honesto, preferem não ter esse debate”, diz. A última vez que engajaram em uma ideia, na defesa da reforma trabalhista, enfrentaram oposição de seus próprios seguidores. “Eles veem que não vão ter sucesso, então partem para as polêmicas morais.”

A estratégia não é nova e permeou todo o processo que levou à cassação do mandato de Dilma Rousseff com a bandeira de combate à corrupção. “O discurso funcionou muito bem quando a corrupção era do PT. Agora não faz mais sentido, já que está provado que permeia quase todos os partidos. Vão se posicionar contra PMDB, PSDB, DEM? Não né”, opina.

Na mesma semana da polêmica do MAM, um menino passou a noite na cela de um estuprador em uma prisão do Piauí. O caso, porém, provocou muito menos indignação. Foi compartilhado 55 mil vezes (10% do MAM), sendo que MBL e outros grupos revoltados com a criança no museu, preferiram ignorar o fato.

“Eles são muito fortes na mensagem. Focam em polêmica e questões morais, mas programaticamente o conteúdo é zero”, afirma Esther. “Vivemos na época do espetáculo. A imagem, o que é instantâneo, é o que vende. Assim ganham importância e criam um precedente perigoso.”

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