HIV: ciência está cada vez mais perto de vacina contra vírus da Aids
O HIV continua a ser um dos desafios de saúde mais difíceis do continente africano. Progressos tremendos estão sendo feitos para entender o vírus, os mecanismos imunológicos que contribuem para o seu controle e para o desenvolvimento de novos medicamentos anti-retrovirais e vacinas que tratem e previnam o HIV.
Mas ainda há muito a ser feito para superar a devastação econômica e de saúde da epidemia. Pesquisadores africanos têm realizado estudos de ponta para contribuir para resolver esses problemas.
A Rede da África Subsaariana para Excelência em Pesquisa de TB/HIV está na vanguarda dessa pesquisa e forneceu algumas ideias importantes sobre como o vírus se espalha, bem como os mecanismos imunológicos que permitem que algumas pessoas o controlem sem medicamentos anti-retrovirais.
Esse conhecimento pode ser traduzido em vacinas eficazes, no desenvolvimento de intervenções inovadoras para prevenir a propagação do vírus ou para obter uma cura funcional com a qual as pessoas possam viver sem medicamentos anti-retrovirais — pelo menos por um tempo.
Sistemas imunes são críticos
Uma importante base de nossa pesquisa, em colaboração com outras, diz respeito a entender quais mecanismos o organismo utiliza para controlar o HIV — particularmente na fase inicial da infecção.
Nosso estudo mostra que algumas semanas após a infecçãp pelo HIV, quase todas as pessoas têm uma resposta imune muito robusta por meio de células conhecidas como "linfócitos T citotóxicos", ou "células T CD8 'assassinas'". Essas células são capazes de suprimir parcialmente o HIV.
Mas, quando a maioria das pessoas está exposta ao vírus, seus sistemas imunológicos são principalmente desviados para responder às regiões do HIV que são altamente variáveis. Isso permite que o vírus mude facilmente para escapar do reconhecimento imunológico.
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As células "T CD8 assassinas" produzidas durante a fase aguda também são altamente defeituosas. Elas ficam exaustas e morrem facilmente, o que permite que o vírus persista.
Mas descobrimos um fato interessante. Algumas pessoas têm uma genética que facilita o desenvolvimento de respostas imunes muito boas com as células "T CD8 assassinas" . Esses raros indivíduos podem controlar o vírus sem medicamentos anti-retrovirais: estamos em busca dos mecanismos que controlam o vírus em tais indivíduos.
Essa pesquisa inovadora é vital porque a compreensão de como o sistema imunológico é capaz de controlar o vírus — seja por "células T assassinas" ou por outros mecanismos — pode levar a vacinas ou curas eficazes para o HIV.
O HIV foge ou se adapta à pressão imune
Nosso trabalho mostrou que o HIV é muito hábil em escapar das respostas imunes do organismo ao vírus. A principal maneira de fazer isso é desenvolvendo mutações que permitem que o vírus não seja reconhecido pelo sistema imunológico de uma pessoa. Ao mesmo tempo, continua se replicando e se reproduzindo.
Nosso trabalho mostra que, embora essa evasão imune seja comum, em alguns casos, o vírus desenvolve mutações que o danificam, tornando-o incapaz de continuar a se replicar de forma eficiente.
Identificamos algumas das regiões de vírus que são vulneráveis: paralisam o vírus se forem o alvo do sistema imunológico. Essas regiões de vulnerabilidade viral podem ser incluídas nas vacinas contra o HIV, de modo que o corpo crie uma resposta imune contra essas regiões do vírus, garantindo que o sistema imunológico o paralise. Essa pode ser uma maneira eficaz de fazer uma vacina contra o HIV ou alcançar o controle natural do vírus naquelas pessoas já infectadas.
Mas esse não é o fim da história. Há uma outra complicação, pois também descobrimos que o vírus pode adquirir novas mutações que restauram sua capacidade de replicar-se de forma eficiente. Mas acreditamos que pode haver maneiras de bloquear ou limitar essa "fuga". As regiões virais de vulnerabilidade que identificamos podem ser boas candidatas para vacinas destinadas a desativar a replicação de vírus.
Fatores genéticos e virais importam
Existe uma grande variação na progressão da doença do HIV.
Sem terapia anti-retroviral, a maioria das pessoas infectadas pelo HIV desenvolve a Aids completa em dez anos. Mas algumas pessoas sucumbem mais rapidamente, dentro de dois anos. Há também um grupo raro de indivíduos conhecidos como "controladores de elite" que demonstraram viver com HIV por mais de 20 anos com carga viral quase indetectável — e sem desenvolver a Aids.
Nosso grupo e outros mostraram que a variação na progressão da doença pode ser explicada por diferenças nos fatores genéticos que governam a resposta imune.
Algumas pessoas estão naturalmente equipadas com uma melhor composição genética que lhes permite desenvolver uma resposta imune muito boa para combater o vírus e controlá-lo. Mas, em quase todos os casos, uma resposta imune forte e boa, no fim, leva o vírus a adquirir mudanças que o permitem se esconder do sistema imunológico.
Mas algumas dessas mutações podem prejudicar o vírus.
Pessoas infectadas com o HIV, mas com respostas imunes superiores — ou com um vírus que foi prejudicado pelo sistema imunológico —, acabam vivendo vidas saudáveis e longas sem medicamentos anti-retrovirais.
Esse tipo de conhecimento é muito útil para o potencial desenvolvimento de vacinas.
A influência de fatores genéticos virais
Uma das características definidoras da epidemia de HIV/Aids é que existem múltiplas cepas genéticas (conhecidas como subtipos ou clados) espalhadas de maneira desigual em todo o mundo.
Demonstramos que algumas regiões do HIV diferem na atividade biológica de acordo com os subtipos, e essas diferenças são consistentes nas divergências relatadas nas taxas de progressão da doença.
Por exemplo, nosso trabalho mostra que existem características na região Gag (uma parte específica do vírus HIV) que fazem os subtipos B e D capazes de replicarem-se de forma mais eficiente do que os subtipos A e C. Isso pode explicar porque em alguns estudos populacionais os subtipos B e D estão associados com progressão mais rápida da doença em comparação com A e C.
Paradoxalmente, parece que os subtipos que se replicam com menos eficiência como A e C são mais bem-sucedidos em infectar um maior número de pessoas, talvez porque os indivíduos infectados vivam mais tempo com esses vírus.
O trabalho ajuda a explicar como o HIV afeta a taxa de progressão da doença em indivíduos e como, em epidemias gerais, se espalha e muda ao longo do tempo. Esse tipo de conhecimento é importante para prever a propagação de epidemias e como combater os surtos para que eles não causem um sofrimento massivo, como foi o caso do HIV e de vírus como Ebola.
* Thumbi Ndung'u é diretor de programa da Rede da África Subsaariana para Excelência em Pesquisa de TB/HIV (SANTHE), da Universidade de KwaZulu-Natal (África do Sul). O texto foi originalmente publicado em inglês em The Conversation.
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