Acordo de Paris: as consequências para o mundo após a saída dos EUA
Há 25 anos, a cidade do Rio de Janeiro era palco de um dos mais importantes encontros para discutir o futuro do planeta. Com a presença de mais de 100 Chefes de Estado, que se reuniram entre os dias 3 a 14 de junho no centro de convenções Riocentro, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento colocou o desenvolvimento sustentável como a principal prioridade para o futuro das nações.
Após o fim da União Soviética, no final de 1991, baixavam as tensões do período da Guerra Fria e o temor de um possível conflito mundial. Ao subir na tribuna de discursos, o presidente cubano Fidel Castro indicava os caminhos para o futuro sem a ameaça da devastação da guerra nuclear. "Quando já não há pretextos para guerras frias, corridas armamentistas e gastos militares, o que é o que impede dedicar de imediato esses recursos na promoção do desenvolvimento do Terceiro Mundo e combater a ameaça de destruição ecológica do planeta? Amanhã será tarde demais para fazer aquilo que deveríamos ter feito há muito tempo", disse um dos últimos líderes socialistas do planeta durante a Conferência, que ficou mais conhecida pelo nome de Eco-92
O clima de concórdia e otimismo em relação ao futuro mundial, no entanto, esbarrou nos interesses de um dos principais atores do encontro: George Bush, presidente dos Estados Unidos, se mostrou um dos maiores opositores às medidas adotadas durante a convenção. Os norte-americanos não assinaram a Convenção sobre a Biodiversidade, que pretendia proteger espécies ameaçadas, e rejeitou a proposta de destinar 0,7% do PIB para projetos ambientais. "Acredito que, em biodiversidade, é importante proteger nossos direitos, nossos direitos nos negócios", disse Bush, pai de George W. Bush, que governaria os Estados Unidos de 2001 a 2008.
Após um quarto de século, a história parece se repetir. Membro do Partido Republicano, como George Bush, o presidente Donald Trump anunciou que os Estados Unidos sairão do Acordo de Paris — aprovado em dezembro de 2015, 175 países asinaram o documento, que tem força de lei internacional e prevê determinações obrigatórias e recomendações às nações signatárias. Com a mesma justificativa de proteger os interesses norte-americanos, Trump afirmou que o tratado prejudicaria a economia dos Estados Unidos e seria responsável por retirar empregos, já que seriam necessárias mudanças em relação ao desenvolvimento produtivo do país.
Estabelecendo o objetivo de desacelerar o aquecimento global a partir de investimentos em energias limpas e na redução de emissões de poluentes, o Acordo de Paris é considerado por especialistas como a iniciativa mais completa para lutar contra as mudanças climáticas — o tratado entrará em vigor a partir de 4 de novembro de 2019. Assim como na Eco-92, no entanto, a decisão dos Estados Unidos poderá frustar os objetivos globais de proteção ao meio ambiente.
A decisão de Trump já era esperada pela comunidade internacional. Após afirmar que não acreditava no aquecimento global, o presidente nomeou o político republicano Scott Pruitt, crítico declarado de políticas ambientalistas, justamente para liderar a agência de proteção ambiental dos Estados Unidos. No início de janeiro, informações sobre o aquecimento global foram retiradas do site da Casa Branca e, na mesma época, um comunicado enviado a agências federais afirmava que os cientistas não deveriam divulgar informações sem autorização de seus superiores.
A guerra de Trump contra as iniciativas em defesa do meio ambiente não deverão barrar os esforços de diferentes nações do planeta, no entanto. Apesar da participação dos Estados Unidos ser decisiva para o sucesso de qualquer acordo global, especialistas indicam quais serão os possíveis cenários para o mundo após a decisão norte-americana de sair do Acordo de Paris:
Mudanças geopolíticas: França e China ganham protagonismo
Após o final da Eco-92, analistas afirmavam que o Japão ganharia papel de destaque na liderança global ao contrariar os Estados Unidos e apoiar os tratados sobre preservação da biodiversidade. Após 25 anos, a bola da vez é a China: com a política de "isolamento" proposta pelo presidente Donald Trump, o país asiático conquista posições para reunir diferentes países em torno de uma agenda de desenvolvimento econômico e social.
Em maio deste ano, o governo chinês anunciou seu "projeto do século", com a criação de um fundo que investirá em infraestrutura na Ásia, Europa e África — a iniciativa foi batizada como Nova Rota da Seda, em referência aos mercadores europeus e africanos que se dirigiam até a China no passado em busca do valioso tecido.
O fato de um país liderado por um Partido Comunista protagonizar o desenvolvimento econômico do mundo capitalista não é o único fator surpreendente: conhecida por suas cidades industriais cobertas pelo ar poluído, a China também é uma das líderes em investimentos em energias renováveis. O país asiático é um dos maiores produtores mundiais de energia eólica e solar, além de afirmar em seu Plano Quinquenal que o desenvolvimento de carros movidos a energias limpas é um dos principais objetivos para os próximos anos.
Enquanto a China busca a liderança global, a França deseja abrigar cérebros norte-americanos: Emmanuel Macron, presidente francês, convidou cientistas e ambientalistas dos Estados Unidos a realizarem suas pesquisas no país europeu. Em comunicado, Macron criticou a decisão de Donald Trump e, em ironia às declarações de "Tornar a América grande outra vez", afirmou que seria necessário "Tornar nosso planeta grande outra vez".
Empresas, cientistas e políticos norte-americanos lutarão contra Trump
No dia 22 de abril, data que comemora o Dia da Terra, cientistas norte-americanos marcharam em diferentes cidades em protesto às políticas adotadas por Trump. "Não estamos falando apenas por nós, pois a ciência é para todos. Se não pudemos monitorar o ar limpo e a água limpa, não serão só os cientistas que sofrerão por isso, mas todas as pessoas que dependem do nosso trabalho e confiam em nós", afirmou Jacquelyn Gill, pesquisadora em mudanças climáticas na Universidade do Maine e uma das organizadoras do movimento de cientistas, em entrevista publicada na edição de abril da revista GALILEU.
E não foram apenas os cientistas que se mobilizaram contra o presidente norte-americano. Pode parecer estranho, mas uma das maiores empresas petrolíferas do mundo também não apoiou a decisão em sair do Acordo de Paris. Em votação realizada entre os maiores acionistas da Exxon Mobil Corp, venceu a posição de que a empresa deveria compartilhar mais informações a respeito do desenvolvimento de novas tecnologias e divulgar estudos sobre como as mudanças climáticas afetarão os negócios da empresa. Outras empresas de energia e de combustíveis fósseis também seguiram os passos da Exxon e se posicionaram a favor do desenvolvimento ambiental sustentável para o planeta.
Logo após a declaração de Trump, um grupo de três governadores norte-americanos, 30 prefeitos e mais de 80 reitores de universidades estão negociando com as Nações Unidas com a proposta de continuarem a cumprir as regras do Acordo de Paris. Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, é um dos líderes da iniciativa, de acordo com informações do jornal The New York Times.
A decisão de Trump não afetará as iniciativas ambientais da maior parte dos países
A presença dos Estados Unidos no acordo climático é essencial não apenas pelo poder político da nação norte-americana. Afinal, como maior potência econômica do planeta, o país é responsável por cerca de um terço do total mundial de emissões de carbono — número absolutamente desproporcional ao se levar em conta que os norte-americanos correspondem a apenas 4% da população mundial.
Ainda assim, não é possível mais frear a disposição das demais nações em cumprir com os acordos para frear a utilização de combustíveis fósseis e buscar novas soluções energéticas para a produção e consumo de bens. Com o objetivo de limitar o aumento de temperatura em até 1,5ºC em relação às temperaturas registradas em períodos pré-industriais, o sucesso do Acordo de Paris dependerá da disposição dos países desenvolvidos em remodelar seu modelo produtivo, ao mesmo tempo em que as nações em desenvolvimento, como o Brasil, terão de manter o crescimento em parâmetros mais sustentáves.
Em setembro do ano passado, o governo brasileiro ratificou o documento com o compromisso oficial de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025, a partir dos parâmetros registrados em 2005. Para 2030, o Brasil deverá reduzir suas emissões em 43%. O tratado havia sido previamente assinado pela presidente Dilma Rousseff em abril de 2016, em reunião que aconteceu na cidade de Nova York — o documento foi aprovado pelo Congresso Nacional.
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