Estudo revela quais são os micróbios que vivem nas cidades
Você já se perguntou quais micróbios nos fazem companhia diariamente no metrô, no ônibus, na calçada, na maçaneta da porta, no banco da praça? Pois um grande grupo de cientistas do mundo todo só pensa nisso. A inquietação deles é tanta que resolveram arregaçar as mangas, colocar um par de luvas e partir para a pesquisa.
Graças a esse grupo, que compõe o projeto MetaSUB (sigla para Metagenomics and Metadesign of Subways and Urban Biomes — Metagenômica e Metadesign de Metrôs e Biomas Urbanos, em português), a resposta para a pergunta, nunca feita antes, chegará nos próximos meses. No Brasil, moradores de São Paulo, Rio de Janeiro e Ribeirão Preto (SP) serão os que poderão matar a curiosidade sobre esses vizinhos invisíveis: as três cidades já forneceram mais de 500 amostras para a pesquisa.
“Fizemos coleta até nas bicicletas públicas. O que será que tem no selim, com o qual as pessoas têm um contato bem íntimo? O que será que tem no guidão?”, inquieta-se Emmanuel Dias-Neto, coordenador do laboratório de genômica médica do A. C. Camargo Cancer Center, que negociou a entrada do Brasil no projeto. Também lideram o estudo no país Houtan Noushmehr (USP de Ribeirão Preto) e Milton Ozório Moraes (Fiocruz).
Ao todo, com o auxílio de swabs — espécie de cotonete de náilon bem grande e esterilizado —, já foram coletadas ao longo de um ano e meio mais de 12 mil amostras em 70 cidades de sete continentes. Cada swab esfregado por aí é catalogado em um sistema digital com suas coordenadas geográficas, data, hora e tipo de superfície. Os mutirões de coleta são feitos em diversos momentos, mas existe um dia especial, o Global City Sampling Day, em 21 de junho. Em 2016 e neste ano — no solstício de inverno daqui e no de verão do hemisfério Norte — foram recolhidos DNAs para montar “um retrato” de todas as cidades na data.
Todo o material coletado é congelado e enviado de avião para Nova York, sede do consórcio de pesquisa. Lá, o DNA de tudo que grudou nos swabs está sendo sequenciado. Esta etapa, a mais cara e demorada, é também a mais desafiadora, já que, para descobrir a que micro-organismo pertence cada código genético, diversas buscas em bancos de dados precisam ser feitas. É como montar um quebra-cabeça com os genes: as letrinhas aos poucos são lidas por computadores até que se encontre um nome conhecido. Ou não.
MISTÉRIO
Realizada em Nova York de 2013 a 2015, a pesquisa que deu origem ao atual estudo global concluiu que 48% dos mais de 15 mil DNAs de diferentes espécies encontrados na maior cidade dos Estados Unidos não pertencem a nada que os cientistas já conheçam. Ou seja, “metade do mundo debaixo das pontas dos nossos dedos é desconhecida”, como definiu Christopher Mason, geneticista do Weill Cornell Medical College, ao comentar os resultados.
Se ainda sabemos tão pouco sobre os micro-organismos que habitam as cidades, devemos então perder o sono? Calma, dizem os especialistas. “As superfícies de uma estação precisam apenas abrigar níveis não perigosos de bactérias e conter uma mistura saudável de muitas espécies”, afirma uma cartilha do MetaSUB.
Dias-Neto ressalta que os resultados do estudo serão revelados com o cuidado de não criar pânico. “A gente checará tudo para evitar falsos alarmes do tipo ‘Encontramos antraz no metrô de São Paulo’”, diz. “Queremos desmistificar essa ideia de que o projeto vai trazer grandes alardes. Não é isso. O que estamos propondo, em primeiro lugar, é um sistema para conhecer outros organismos que habitam o planeta.” Para o hospital especializado em câncer, por exemplo, a experiência será aplicada em pesquisas específicas da área.
Outro motivo para não termos medo é que os resultados podem mostrar um micróbio que já não representa mais perigo. Primeiro, porque os resultados sairão meses depois das coletas. Segundo, porque a análise pode ter pegado um ser morto. “Pode ser o DNA de um organismo que morreu há meia hora, por exemplo, mas não de algo que passou há 15 anos”, explica Dias-Neto. Para futuras pesquisas, os cientistas estão estudando formas de diminuir essa imprecisão.
Nem por isso, porém, o impacto do estudo global será pequeno ou pouco útil. Um dos principais usos pode ser a identificação de bactérias super-resistentes a antibióticos, problema que assombra a medicina. “O que gera a resistência de uma bactéria a um antibiótico é uma sequência de genes. Nós podemos monitorar onde estão essas bactérias hoje”, conta o pesquisador do A. C. Camargo.
Longe da área médica, o levantamento é de interesse até para arquitetos e engenheiros. Isso porque o estudo responderá quais seres estão escondidos nas construções urbanas — e que podem fazê-las desabar se comerem as suas estruturas.
A CARA DO BRASIL
Para o Brasil, um projeto especial dentro do MetaSUB, o Olimpioma, pretende apurar quais micro-organismos passaram pelo Rio durante os Jogos Olímpicos. Para uma avaliação completa, foram recolhidas amostras antes, durante e depois do evento. A próxima coleta, para ver que fim levaram os micróbios trazidos por turistas há um ano, será neste mês. Outro Olimpioma está previsto para Tóquio, em 2020.
Enquanto não se sabem os resultados dessa mistura toda, uma coisa é certa: o Brasil já deixou sua marca no MetaSUB. Foi o único país com um roubo de swabs. Na chegada de uma remessa de novos “cotonetes”, o carro da transportadora foi assaltado perto do A. C. Camargo, na Liberdade, em São Paulo. “Na reunião mundial do projeto, me pediram para contar essa história. Fiquei morrendo de vergonha”, recorda Dias-Neto.
Apoio
O projeto de pesquisa é financiado em parte pela fundação de Bill Gates, criador da Microsoft
CENSO DOS MICRÓBIOS
Conheça alguns números do estudo
7,4 bilhões de pessoas vivem na Terra
57% moram em áreas urbanas
Fonte: MetaSUB, dados até 12/7/2017
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