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Munição Cluster: o tratado internacional que o Brasil se recusa a assinar

Exemplos de munições cluster (Foto: wikipedia/U.S. Air Force)

 

As armas de munições cluster são projéteis que se abrem no ar e despejam uma série de bombas no solo, atingindo uma área considerável de uma só vez. Devido ao seu grande alcance, os explosivos acabam se chocando não só com alvos militares, mas também com civis. Quando elas não estouram, muitas ficam enterradas no solo e se transformam em minas terrestres, permanecendo ativas no local anos após a aterrissagem.

Segundo o  assessor jurídico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Gabriel Valadares, as munições cluster são uma das maiores ameaças bélicas atuais depois das armas nucleares.  “Esse tipo de arma viola um dos principais requisitos determinados pelo Direito Internacional Humanitário já que não distingue os alvos que atinge.”

Uma pesquisa realizada em 2012 pela organização Cluster Munition Coalization, mostra que 94% das vítimas das munições cluster não são combatentes, sendo 40% delas, crianças.

O Brasil é um dos produtores do armamento. As armas cluster produzidas pelo país já mataram 21 civis e deixaram 72 feridos em ataques no Iêmen, segundo atesta pesquisa publicada no início de 2017 pela ONG Human Rights Watch que analisou a situação nos últimos cinco anos. As bombas foram lançadas pela força de coalizão da Arábia Saudita, que está presente no país desde 2015 e compra as munições de origem brasileira.

No caso mais recente, ocorrido em fevereiro de 2017, foguetes de fragmentação ASTROS, armamento de lançamento múltiplo de foguetes fabricado indústria bélica brasileira Avibrás, feriram dois meninos que trabalhavam ao norte do país.

Muhammad Dhayf-Allah, de 10 anos, foi ferido no antebraço esquerdo e Ahmad Abdul-Khaleq, de 12, na coxa da perna direita e nas costas, segundo reportagem do jornal O Globo.
O Brasil faz parte do grupo de 84 nações que ainda não aderiram à Convenção sobre Munições Cluster, criada em 2008 e em vigor desde 2011, que proíbe seus 119 signatários de produzir, comercializar e utilizar as armas de munição de fragmentação. Além disso, é um dos principais produtores desse tipo de bomba do mundo.

Gabriel Valladares, assessor jurídico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, alertou para a importância do país juntar-se ao tratado devido à alta periculosidade das armas. “Tem sido um de nossos maiores objetivos convencer cada vez mais nações a assinarem o tratado de proibição”, afirma.

Tratado
A Convenção sobre Munições Cluster foi assinada em 2008 e entrou em vigor 2010 em Dublin, na Irlanda. França, Alemanha, Japão e Afeganistão são alguns dos países que já participam do tratado.

Segundo informações da organização Desharme, mais de 85 milhões de submunições foram destruídas pelos países signatários e uma faixa de aproximadamente 280.000 quilômetros de terreno contaminado com bombas não-detonadas foi limpa desde sua assinatura.

O Brasil, porém continua sendo uma das poucas nações a não aderir ao acordo, junto de China, Rússia e Israel. Em dezembro de 2016, em uma Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), 141 países votaram favoravelmente em uma resolução solicitando que os países que ainda não haviam aderido, o fizessem. A comissão brasileira, mais uma vez, não assinou a proposta.

Recusa
Em dezembro de 2015, a Anistia Internacional acusou o Brasil de produzir as armas cluster responsáveis por outro ataque da Arábia Saudita ao Iêmen que deixou dois feridos. Questionado pelo site de notícias Nexo, o Ministério da Defesa afirmou, na época, que o país prioriza outros tratados de regulamentação internacional de armas que não o de clusters.

Em respostas aos ataques de março de 2017, porém, a Avibrás, produtora de armamentos brasileira, afirmou não poder confirmar se as munições utilizadas no Iêmen eram de sua fabricação. A empresa disse ao jornal O Globo que desde 2001 todos os foguetes da linha ASTROS possuem um “confiável dispositivo de autodestruição que atende aos princípios e legislações humanitários” da Convenção sobre Munições Cluster.

Segundo pesquisa realizada pelo especialista em segurança internacional, controle de armas e política externa brasileira, Gabriel Francisco Silva, da Universidade de Brasília, uma série de motivos poderia explicar a razão do Brasil não aderir ao tratado.

Para Silva, a valorização do setor de defesa nacional durante o governo de Luis Inácio Lula da Silva, na época, a importância estratégica dada às munições clusters pelas Forças Armadas do país e as críticas do Itamaraty à proposta de convenção contribuíram juntas para a recusa do Brasil a assinar o tratado.

Ele conclui a dissertação, no entanto, chamando a atenção para as incongruências dos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores. Segundo o pesquisador, é necessário que o Brasil reveja sua posição no tratado.

Kristine Beckerle, advogada da Humans Right Watch, é da mesma opinião. “Em vez de seguir produzindo esse tipo de munição tão daninha, o Brasil deveria se unir aos mais de cem países que decidiram banir isso”, disse ela ao Nexo.

Questionado sobre o assunto, o Ministério da Defesa informou à GALILEU que qualquer comercialização de produtos bélicos passa pela fiscalização do Ministério das Relações Exteriores, que avalia a questão sob a luz da política externa brasileira, e do Ministério da Defesa, que analisa o pedido levando em conta os interesses da defesa nacional.

Sobre a não participação do Brasil no tratado, o órgão afirmou que a convenção possui “aspectos discriminatórios.” Segundo o ministério, o acordo permite a liberação de munições cluster que possuem mecanismos tecnológicos mais avançados, algo que apenas países desenvolvidos teriam acesso.

Além disso, eles chamam a atenção para uma cláusula da convenção que permitiria a um país signatário do tratado fazer uso das armas cluster caso estivesse agindo em operações militares de aliança com outros países não participantes. O Itamaraty, porém, não se pronunciou sobre a questão.

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